Sobre as experiências das coisas e do saber fazer a pescaria nas muruadas do rio Araí
Resumo
Este ensaio é um recorte do campo etnofotográfico deste paraense e aprendiz de etnógrafo/antropólogo, que tem se debruçado em estudar e descrever, por meio de narrativas etnofotográficas, as experiências que advêm das pescarias do rio Araí, em particular, dos pescadores de camarão (Litopenaeus vannamei) que habitam na comunidade de Araí, no meio rural do município de Augusto Corrêa, no nordeste do Pará.
Dito isso, torna-se necessário registrar aqui, que a pesca de camarão é uma atividade que sustenta não apenas a comunidade Araí - que por sua capacidade produtiva ficou conhecida na região, como a terra do camarão, mas que atualmente, o título parece não se sustentar, uma vez que o produto não existe em abundância, como em tempos de outrora. (Picanço, 2018) – mas também várias localidades da região Bragantina e do Salgado paraense, que assim como em Araí, vivem tradicionalmente da mariscagem e da pesca artesanal.
No caso de Araí, a pesca artesanal corresponde à totalidade da atividade pesqueira de camarão, que se concretiza ora pelas muruadas[1] fixas (conforme mostram as imagens 4 e 5), ora pelas muruadas móveis (conforme mostram as imagens 6 e 7). Destarte, se faz importante frisar que os processos que culminam com a produção do camarão são decisivos para a economia de Araí, não somente pela comercialização do crustáceo, que é a base de sustentação de inúmeras famílias do lugar, como também, pelas negociações empreendidas nas tabernas locais, onde se processam as compras dos materiais necessários para a subsistência dos pescadores durante o período da pesca, a saber, farinha d’água, sal, tabacos, cigarros, etc.
Afora isso, não seria descabido asseverar que as experiências das coisas[2] e do saber fazer a pescaria no rio Araí, povoam e sustentam não somente a economia do lugar, elas se constituem em práticas tradicionalmente elaboradas, socializadas e coletivizadas por diversos processos de sociabilidades, particularmente, por aqueles proporcionados por situações de comensalidades, que ocorrem no rancho (conforme mostram as imagens 2 e 3) durante os processos de cocção e de degustação de camarões e de outros frutos do mar, que, com regularidade, entremeiam a “mesa” dos pescadores. (Conforme mostram as imagens 8, 9 e 10).
Faz-se necessário esclarecer, que os ranchos, que são as casas dos pescadores durante o período de pescaria, povoam todas as margens do rio Araí. Eles são propriedades privadas, mas durante as atividades pesqueiras se tornam casas coletivas, isso ocorre porque nem todos os pecadores são proprietários de ranchos e por isso, são hospedados nos ranchos de outros companheiros de trabalho, com quem, com regularidade, estabelecem relações parentais ou de amizade. Aliás, são essas relações, de parentesco e de amizade, que povoam e determinam todas experiências de pescarias de camarão no rio Araí.
Assim, o rancho parece ser, antes de qualquer outra coisa, uma instituição social, um espaço fundamental para a continuação não somente do ato de pescar camarão, mas principalmente, para a manutenção e perpetuação dos laços sociais dos pescadores, pois é nele que as experiências sociais se dão de maneira mais intensa, mais próximas, é ali que ocorrem, como em nenhum outro lugar do rio, os encontros que definem, perpetuam as lógicas de pertencimento, isto porque é no rancho que ocorrem as conversas mais prazerosas e intensas, é onde as decisões coletivas são tomadas e os acordos que norteiam o saber e o fazer dos pescadores são firmados. É um lugar de sociabilidade e de comensalidade ímpar, que ocorrem todos os dias logo após a finalização da pescaria de camarão.
Então, são sobre as experiências das coisas e do saber fazer a pescaria nas muruadas do rio Araí, enquanto práticas de sociabilidades e comensalidades que sustentam um jeito próprio de pescar e viver dos caboclos pescadores do nordeste paraense em geral e particularmente dos de Araí, que “falam” as imagens (Samain, 2012, 2005) deste ensaio etnofotográfico.
[1] Muruada é um artefato feito de moirões de árvores nativas, que são milimetricamente afixados distantes um dos outros, em pontos estratégicos do rio Araí. Para que os camarões sejam capturados, as puçás são afixadas entre um moirão e outro.
[2] As coisas aqui pensadas são todas aquelas que povoam as experiências dos pescadores, tais como: barco, canoas, muruadas, puçás, ranchos, etc. Assim, as coisas, ou melhor, como diria Ingold (2015), “ a coisa [...] é um devir, um lugar onde vários aconteceres se entrelaçam [..] é um certo agregado de fios vitais [...] nos quais ao longo da caminhada a coisa é constantemente formada” (p. 29). A coisa, portanto, não é uma forma imposta por um agente, mas uma forma que é construída no emaranhado dos fios da vida. Sendo assim, as coisas têm vida, inclusive vida social.
Texto completo:
PDFDOI: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v14i2.7839
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