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A mão e o martelo: A Polícia Militar e os conflitos sociais no campo paraense

Alisson Gomes Monteiro

Resumo

Este estudo foi realizado para identificar como a Polícia Militar, órgão responsável pela preservação da ordem pública, por intermédio do policiamento ostensivo fardado, media os conflitos sociais no campo paraense. Esses conflitos foram, em regra, gerados por lutas históricas entre a maioria da população, que teve dificuldades de acesso à propriedade e à posse rural e uma pequena parcela que, privilegiada por um processo de ocupação centralizador e por um sistema econômico concentrador de renda, manteve o controle de grande parte dos meios de produção.

O estudo aponta caminhos para que a Polícia Militar consiga ser instrumento de redução de desigualdades sociais e não um mecanismo de perpetuação dessas disparidades, tomando como necessidade analisar o papel do poder político, que deveria ser o irradiador das determinações, no sentido da proteção social, mas que acaba, principalmente por omissão, deixando essa corporação policial à mercê da influência da força econômica dos grandes latifundiários, que não raras vezes usam a violência como forma de manter as estruturas estabelecidas.

Observou-se que a Polícia Militar age basicamente como um instrumento de força, um martelo, muitas vezes a serviço de elites agrárias que, por intermédio da violência, perpetuam um sistema produtivo excludente e concentrador de recursos. Verificou-se ainda a necessidade de se estabelecer uma cultura de mediação que seja transformadora da realidade institucional, de modo que o descrédito da Corporação seja ultrapassado, aproximando-se verdadeiramente da comunidade como um serviço público. Ocorre que, diante dessa realidade de desequilíbrio de forças sociais, econômicas e políticas no campo paraense, essa corporação pública de policiamento tem deixado dúvidas quanto a sua capacidade de proteção, primordialmente daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, remetendo-se a casos recorrentes de privatização do serviço policial, em que representantes da Polícia Militar, comprometidos com demandas particulares, para obter ganhos pessoais, jogam por terra sua missão constitucional de proteção ao povo, por intermédio do fiel cumprimento do conjunto normativo existente no país. Foi possível verificar esses descaminhos em todas as regiões do Pará, de maneira especialmente penosa na área rural, aproveitando-se a vivência institucional de mais de quatorze anos, como Oficial da Polícia Militar, sendo que quase um terço desse tempo no trabalho de corregedoria.

Constatou-se no campo que é mais contundente um fenômeno de instrumentalização distorcida, na qual a Polícia Militar acaba agindo direcionada por finalidades não estabelecidas constitucionalmente para sua atividade, levando-se em conta que a polícia funciona basicamente como uma ferramenta de força. Tornou-se fundamental ao estudo enxergar como se apresenta a mão, ou as mãos, que controlam esse instrumento, na medida em que se pode aplicar mais ou menos energia na contenção ou direcionamento das situações, a fim de atender um ou outro interesse. Procurou-se demonstrar que uma polícia construída sob um novo paradigma pode, então, transformar essa realidade de distanciamento da população, deixando para trás o viés tradicional que constituiu o policial em um elemento guerreiro, que vê a sociedade como inimiga em potencial e age perdendo de vista as ações que identificam a noção de justiça social.

Reconhecendo que o arcabouço jurídico é, atualmente, o menor dos problemas quanto à consecução da garantia de direitos humanos, porquanto desde a base constitucional, em tese, a legislação avançou bastante para a proteção dos direitos das pessoas, é a atuação da corporação na efetiva concretização desses direitos que vai apresentar a polícia como um órgão mais atraente para a sociedade. Defendeu-se que cabe aos agentes policiais irem além do cumprimento seco da legislação, no afã de realizar a proteção da cidadania, devendo ampliar sua atuação no caminho de valores éticos que deixem claro sua função garantidora de direitos, principalmente dos hipossuficientes, definindo-se três eixos de atuação, isto é, o respeito à legalidade, a atuação técnico-profissional e o seguimento de ações éticas. Nesse sentido, escolheram-se casos concretos, nos quais todos esses conceitos trabalhados puderam ser analisados, começando pelo acontecido em 17 de abril de 1996, em Eldorado do Carajás, município do sudeste paraense, onde um grupo de dezenove (19) integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) foi morto por tropas da Polícia Militar durante uma tentativa de desocupação da PA-150, importante rodovia da região. Mundialmente conhecido como Massacre de Eldorado do Carajás, apesar de inúmeras obras, relatos, estudos, ou seja, de muito se ter dito sobre o fato, há ainda ângulos inexplorados no conflito, que acreditamos poder percorrer, principalmente vendo o fato a partir do olhar policial, perscrutando a técnica, as questões normativas e a conduta ética durante o evento.

Viu-se também situação ocorrida no município de Altamira, envolvendo o efetivo do 16º Batalhão de Polícia Militar, no qual um contingente foi instalado em uma região de conflito entre comunidades que já se encontravam na localidade há pelo menos setenta anos e uma grande empresa exploradora, que se intitulava proprietária da área. Nessa esteira, se discutiu os indícios de que a empresa financiava as atividades da Polícia Militar, no que concerne às questões de alojamento e de toda a estrutura logística, sendo que a missão principal da força policial seria a preservação da ordem, o que implicava na proteção da propriedade privada e no combate a invasores da região. Por fim, trabalhou-se o caso do policiamento realizado dentro da reserva indígena Tembé, localizada no nordeste do estado, onde, diante de uma população etnicamente diferenciada, a Polícia Militar encontra grandes dificuldades, quanto ao preparo para uma relação intercultural e, nesse sentido, a mediação entre os Tembé e os colonos da região acaba não ocorrendo da melhor forma. A partir desse cenário multifacetado, de conflitos de diversos tipos e com atores também bastante distintos, a Polícia Militar foi estudada como central, no que se refere à sua capacidade de mediação, quanto a sua imparcialidade e questionando se em sua atuação pode ser identificada a característica democrática, essencial na consolidação de uma estrutura de organização republicana.






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