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Resenhas de livros

NAS REDES DO SEXO: OS BASTIDORES DO PORNÔ BRASILEIRO, de Maria Elvira Díaz-Benítez. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. ISBN 978-85-378-0257-1

Rafael da Silva Noleto
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, PPGA/UFPA

Partindo do compartilhamento da pecepção de que a pornografia é um elemento constitutivo de nossas vivências cotidianas, a antropóloga Maria Elvira Díaz-Benítez propõe uma excitante incursão etnográfica pelas redes de produção de filmes pornográficos no Brasil.

Dentre as principais temáticas que se configuram como vetores de sua pesquisa, certamente as noções de transgressão e produção de prazeres, corpos e sexualidades emergem como pilares que sustentam, alimentam e constroem a pertinência do intuito de compreensão antropológica acerca de produções visuais que conformam subjetividades sexuais.

Ao descortinar percursos e personagens que compõem o que denomina como “redes do pornô”, Díaz-Benítez demonstra pactuar com o conceito de ação coletiva, atribuído ao sociólogo Howard S. Becker (2008), no sentido de entender a elaboração comercial da pornografia como uma iniciativa composta por esforços múltiplos, organizados, hierarquizados e desenvolvidos no seio de um grupo social, vinculado profissionalmente pelas atividades que exercem no mercado de trabalho.

O cenário etnográfico concentra-se na cidade de São Paulo, lugar no Brasil em que há a maior produção de pornografia voltada para atender à indústria cinematográfica do sexo. Acompanhando de perto o fazer pornográfico, a autora conquistou para sua pesquisa o mérito de ser a primeira no Brasil a utilizar o método antropológico da observação participante na abordagem de um assunto que gravita em torno da prática sexual em seus detalhes. Se considerarmos que o sexo, nesse contexto, deve ser compreendido como uma performance encenada para despertar e conformar desejos, então nada é mais justificável do que a análise in loco das especificidades dessa ação performática para entender as regras ditadas, polifonicamente, em primeiro lugar, pela demanda da indústria e, em seguida, pelos diversos personagens que integram as redes do pornô, sendo eles recrutadores de elenco, produtores, diretores e, finalmente, atrizes e atores.

Fracionado em momentos alusivos à dinâmica de uma relação sexual, “Nas redes do sexo” se apresenta em capítulos intitulados, sugestivamente, como “Preliminares”, tratando acerca do processo de pré-produção dos filmes; “Transa”, abordando o momento em que, literalmente, os personagens centrais penetram em cena; “Consumação”, revelando as particularidades da comercialização e distribuição dos produtos finalizados de acordo com os padrões da indústria; e, enfim, “Elenco”, do qual emergem os percursos dissidentes, assim denominados pela autora, cuja função é apresentar alguns relatos expositivos acerca da fabricação do prazer sob o ponto de vista de quem o encena: atrizes e atores.

Compreendendo que “os olhos dos recrutadores atuam como os olhos da indústria” (p. 37), Díaz-Benítez cuida em ressaltar a importância desses profissionais encarregados de perscrutar elenco para ingressar na indústria. São eles que detêm o nível exato da combinação entre treinamento e intuição para identificar, com exatidão, pessoas que correspondam às demandas do mercado e que tenham condições de desenvolver uma carreira ou, melhor dizendo nos termos da autora, um percurso dentro do processo de “venda” do corpo para a ampla comercialização na pornografia.

No intuito de valorizar essas percepções atribuídas aos recrutadores como um saber específico desse fazer profissional, é possível destacar o mérito interpretativo da autora ao revelar que o olhar dos recrutadores é direcionado para aspectos que denotam hipergêneros subjacentes nos corpos daqueles que ainda não integram o casting das empresas, mas que são alvos de grande interesse para essa indústria.

Para Díaz-Benítez, o sexo pornográfico produz hipermasculinidades e hiperfeminilidades que são igualmente intensas sendo que, neste caso, é responsabilidade dos recrutadores a percepção antecipada de traços denotativos de feminilidades e masculinidades, que, quando exacerbadas, provoquem os efeitos desejados pela indústria do pornô no que tange à produção de uma prática sexual simultaneamente realista e exagerada.

Outro aspecto notório está relacionado ao fato de que, no entendimento da autora, “cor e estética imbricam-se com masculinidade” (p. 57). Essa compreensão é ativada no momento em que são colocadas as intersecções entre “cor” e desejo (Moutinho 2004) como fatores preponderantes ou dispensáveis de acordo com o segmento pornográfico que se pretende atender.

Nessa perspectiva, a pesquisa evidencia que a presença de atores "negros"1 é maior em filmes destinados ao público heterossexual, com o intuito de correlacionar a “cor” ao imaginário de virilidade produzido em torno da figura do homem “negro”. Em filmes homossexuais, os matizes “negros” são, por sua vez, suavizados, cedendo espaço para atores considerados “morenos” ou “mulatos”, assim denominados por Díaz-Benítez para marcar o fato de que esses homens possuem pele “escura”, porém ostentam traços físicos – sobretudo faciais – que denotam feições “brancas”, valorizadas, de acordo com a autora, na estética dos filmes homossexuais. A mesma lógica é percebida quanto à contratação das atrizes que, no caso de possuírem “cores” mais “escuras” amplamente valorizadas no mercado, são admitidas na indústria ao ostentarem feições que se distanciam do estereótipo de “negritude”. Tal configuração estimula a “leitura” de que quanto mais “negros” forem os atributos físicos dos atores e atrizes, mais esses sujeitos serão percebidos, na visão do público consumidor, como masculinizados.

As relações de sociabilidade são outro ponto notável da discussão, pois tornam visível o fato de que os bastidores das produções pornográficas são utilizados como ambiente para o desenvolvimento de relacionamentos solidários em diversos níveis hierárquicos da equipe de produção.

Dessa maneira, a sociabilidade é objetivamente percebida a partir do compartilhamento de saberes que circula nesses bastidores, compondo a interação entre diretores, produtores, operadores de câmera e atores. O conhecimento do processo de produção é, assim, partilhado e discutido, promovendo aprendizado mútuo, otimizando os resultados e contribuindo para a ascensão profissional de muitos integrantes dessas redes.

No caso de atores e atrizes, os saberes estão mais ligados às técnicas corporais e de interpretação mais “rentáveis” frente às câmeras. Esse conhecimento é relativo, primordialmente, às formas mais eficientes de se fazer sexo durante longas jornadas de trabalho – compartilhado, sobretudo, pelos atores (mulheres ou homens) considerados passivos sexuais –, aos medicamentos ou artifícios mais eficazes para a manutenção da ereção – de interesse específico para homens e travestis que desempenham os papéis de ativos sexuais – e, por fim, às maneiras de interpretar o prazer sexual.

A discussão é adensada na medida em que Díaz-Benítez desconstrói a recorrente hipótese transgressora vinculada à pornografia. Para isso, a autora mostra, a partir dos dados etnográficos, como o universo da pornografia é também repleto de convenções que visam à reprodução dos padrões de conduta sexual socialmente hegemônicos e aceitos pelos consumidores desse mercado.

Tais modelos, dentro dos segmentos denominados mainstream, não aceitam ambiguidades ou transgressões que tornem fluidas as oposições polarizadas entre atividade e passividade.

Além desse aspecto, o livro explicita os tácitos códigos de conduta profissional que, dentro de um meio socialmente estigmatizado, produzem outras nuances de estigmatização, segregando, por exemplo, atores que se inserem em filmes com práticas sexuais consideradas bizarras.

Assim, a autora revela que, através de discursos normativos silenciosos, a rede pornô “controla o sexo, etiqueta e classifica determinados comportamentos como perversões, marca fronteiras para o prazer e estabelece o que é lícito e o que não é, exercendo o controle do corpo social” (p. 177).

Esses códigos de conduta também ditam regras éticas de cuidados com o corpo e com a saúde, principalmente para atores e atrizes que atuam em filmes que dispensam o uso de preservativo no intuito de mostrar um sexo mais “real” e mais “bonito” na perspectiva dos diretores. Cria-se, portanto, uma corrente de confiança na qual os atores são comprometidos, solidariamente, à prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis, ao mesmo tempo em que as produtoras ficam encarregadas de realizarem testes periódicos para atestar a saúde de seus elencos, visando tranquilizá-los quanto aos riscos que correm.

Díaz-Benítez demonstra em seus dados que, de certa forma, as precauções éticas e objetivas que são tomadas funcionam de forma efetiva, devido ao raro aparecimento de atores ou atrizes infectadas por vírus como, por exemplo, o HIV. O desejo de permanecer na indústria do sexo aliado à responsabilidade assumida pelas produtoras para que não sejam arruinadas por acusações de transmissão de HIV em suas filmagens, faz com que atrizes e atores dispensem o preservativo apenas nas gravações e em suas relações conjugais estáveis com pessoas do meio pornográfico, adotando-o, inevitavelmente, nos casos em que também trabalhem como garotos ou garotas de programa.

Da observação das performances à análise das representações generificadas e, muitas vezes, estáticas que são veiculadas nas capas dos filmes, cada etapa do processo de produção dessa indústria é revista de modo a contribuir significativamente com os estudos de gênero e sexualidade.

Um importante momento da discussão levantada pela autora refere-se ao fato de que, ao contrário das feministas radicais, Díaz-Benitez não enxerga na pornografia um mecanismo de submissão das mulheres a uma condição humilhante. Pelo contrário, sustenta a opinião de que “o pornô cria discursos sobre o excesso” (p. 117), produzindo masculinidades e feminilidades extremas nas quais os homens são representados como superviris por suas capacidades de manter longas ereções, exercer o controle sobre a ejaculação e conseguir penetrar muitas mulheres com vigor; e, por conseguinte, as mulheres são representadas como transgressoras do estereótipo de passividade atribuído constantemente ao gênero feminino, pois, nesses enredos, são capazes de verbalizar os seus desejos, rompem com os padrões de inocência através do uso de expressões performativas e, de certo modo – ainda que isto não tenha sido dito pela autora, mas acrescentado, neste caso, por minha interpretação –, conduzem os homens a desenvolverem performances que persigam um ideal de masculinidade capaz de saciar os desejos colocados em cena por essas mulheres.

Em sua interpretação acerca da aplicabilidade do conceito de desvio (Becker 2008) em relação aos atores pornô, não considera que eles experimentem a condição de dissidência na totalidade de suas vidas, pois os relatos desses personagens demonstram que, apesar de terem suas vidas profissionais ligadas à comercialização do sexo, conseguem sustentar outros valores morais conservadores e até mesmo empreender arranjos conjugais pautados numa noção ressignificada de fidelidade.

Nestes casos, e principalmente quando se trata de casais compostos por atores que são também garotos e garotas de programa, o que identifica a infidelidade é o real desejo, envolvimento ou afeto por outra pessoa, simbolizado, para alguns, pelo uso ou não de preservativo. Isto significa dizer que o preservativo é considerado, em muitos casos, como uma fronteira que delimita os âmbitos público e privado, ou, melhor dizendo, diferencia o sexo profissional do sexo passional.

Ao penetrar “Nas redes do sexo”, o leitor será conduzido a refletir – a partir de um bom entrecruzamento com uma vasta literatura sócio-antropológica sobre sexualidade – a respeito da extensa “teia de significados” que é exposta por Díaz-Benitez, entendendo melhor a relação dialógica entre as imposições do mercado, os valores morais que regem a produção desses filmes e, finalmente, as subjetividades envolvidas em todo o processo.

NOTA

1 O uso de aspas segue a mesma perspetiva de Laura Moutinho em “Razão, ‘cor’ e desejo” (2004) no intuito de tornar evidente que a cor da pele e a percepção que temos desse fator são oriundos de processos de valoração construídos em âmbito sociocultural.

REFERÊNCIAS

Becker, H.S. 2008. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar.

Moutinho, L. 2004. Razão, “cor” e desejo: Uma análise comparativa sobre relacionamentos “inter-raciais” no Brasil e na África do Sul. São Paulo: Unesp.

O METROSSEXUAL NO BRASIL – ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS, de Wilton Garcia. São Paulo: Factash, 2011. ISBN 978-85-221-0505-2

Edyr Batista Oliveira Júnior
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA/UFPA

O livro de Wilton Garcia, O Metrossexual no Brasil, é um trabalho muito significativo por trazer ao cenário acadêmico brasileiro as discussões sobre o homem e sua vaidade. Ademais, apresenta-se atual, dentro dos debates sobre as masculinidades.

Nesta obra, Garcia dá continuidade à reflexão sobre o metrossexual que o autor já vem promovendo em textos como Corpo, mídia e representação, de 2005, da editora Pioneira Thomson Learning, contudo, procurando direcionar sua análise ao contexto brasileiro, analisando, dessa forma, a relação entre mercado, mídia, corpo, performance e consumo no contemporâneo.

O texto encontra-se dividido em 11 capítulos e possui um prefácio e um posfácio. É a professora Nílzia Villaça quem escreve o prefácio da obra, onde chama atenção para o papel, não necessariamente narcísico, mas performático, do metrossexual, como aquele que está preocupado com a aparência, com o tempo – a fim de manter-se sempre belo. Dessa forma, o corpo do metrossexual é visto como aquele que comunica e proporciona a visualização do desejo, ainda que o corpo seja objeto de vigilância, conforme nos adverte Foucault (1997; 2006).

Wilton Garcia fala-nos que o termo metrossexual é um vocábulo recente e contribui para que seja (re)criado um grande volume de produtos e serviços a serem consumidos pelos homens.

Assim, o consumo, segundo ele, contribui para a padronização dos comportamentos. E é desse ato de consumir produtos e serviços destinados ao público masculino que vai resultar o metrossexual, pois “o ato de consumir provoca, na sociedade, ‘novas/outras’ diretrizes econômicas, identitárias, socioculturais e políticas” (p. 45). Destarte, o metrossexual está voltado para o consumo.

Encontramos, no texto, a advertência de que o homem brasileiro ainda tem receio de se autodenominar metrossexual. No entanto, de acordo com Garcia, o brasileiro está menos preconceituoso em relação aos cuidados estéticos. Um dos fatores citados por ele para essa preocupação com a aparência dis respeito ao exigente mercado de trabalho.

Como contribuição para o ensaio que pretende sobre o metrossexual, o autor utiliza uma metodologia descritiva a fim de “contribuir no deslanchar de ideias, debates e exemplificações” sobre o tema (p. 16). Como ferramentas conceituais, Garcia faz uso de subjetividades, experiências e performances, procurando, assim, analisar criticamente o modo de ser metrossexual.

Para facilitar a identificação e o entendimento dos/as leitores/as com essa “vertente de masculinidade metrossexual” (Freitas 2011), aparecem no texto nomes de atores como Fábio Assunção, Márcio Garcia e Paulo Vilhena – além de alguns apresentadores e cantores – como exemplos de metrossexuais no Brasil.

Por meio do personagem Divino, o autor procura demonstrar como se dá a vaidade masculina, quais as atitudes que comportam um homem muito vaidoso, além de relacionar fatores econômicos, identitários e socioculturais na construção do metrossexual. Além disso, na avó de Divino, Dona Efigênia, Garcia nos apresenta os dilemas e preconceitos do pensamento tradicional sobre comportamentos masculinos aceitos na sociedade. Por fim, tudo acaba no excessivo consumo por parte de Divino.

Wilton Garcia inscreve temporalmente o metrossexual, não na modernidade, mas no contemporâneo, pois, para ele, este é efêmero, plural e provisório: “A ideia de contemporâneo denomina um território de reflexões e desafios, em que noções, premissas, pressupostos, fundamentos e conceitos são (re)visitados, (re)lidos, (re)atualizados” (p. 53). Apesar disso, adverte-nos o autor, “... diante da gama de distintas inserções não seria um ‘vale-tudo’. Pelo contrário, a eclética (re)paginação paradoxal dos dados tenta (re)inscrever os objetos, os sujeitos e suas representações no contemporâneo” (p. 54, 55). É nesse meio que o metrossexual se faz acontecer.

O corpo encontra lugar de destaque nesse debate, pois o mesmo comunica, entra em conexão com o outro e é utilizado pelo mercado e pela mídia como “brinde promocional”, o “algo a mais (um plus) do anúncio publicitário” (p. 70). Portanto, o autor chama a atenção para a questão de o corpo masculino ser exibido, atualmente, no mercado e na mídia, com o mesmo valor de equiparação aos padrões de beleza do corpo feminino.

E a exibição desse corpo saudável, atraente, desejado e desejante no mercado e na mídia não se dá de forma neutra, mas resulta de práticas contemporâneas capitalistas.

“Para um comerciante e/ou empresário, a imagem do corpo é apenas um instrumento de associação discursiva (mercadológica e midiática) pronta para ser explorada e espetacularizada. Isso, quando se pensa, definitivamente, em ganhar dinheiro com a venda exagerada de produtos e serviços” (p. 78).

É uma relação de dependência que acontece entre mercado e mídia. E é nessa ligação que ambos vão, segundo o autor, por meio do consumo, reconhecer e legitimar “quem pode mais e quem pode menos” (p. 106).

Dessa forma, Wilton Garcia vê o metrossexual como um hedonista, que busca o prazer (“viver de forma agradável e satisfatória”) para alcançar a felicidade (que requer “sacrifícios: a sua própria dedicação a si”, “ao cuidar de si”) (p. 74, 5), pois “... obter o corpo ‘perfeito’ – sem gorduras, com músculos definidos e principalmente formas atraentes – seria um grande prazer para um metrossexual” (p. 76).

Em sua discussão sobre a masculinidade, Garcia questionará a divisão binária de gênero em masculino e feminino. Para ele, essa seria uma classificação ultrapassada, pois o contemporâneo, com sua efemeridade, pluralidade e fluidez, faz com que esse tipo de representação decline e crie novas opções. Afinal, as identidades não devem ser vistas como algo livre de modificações. Dessa forma, tanto o masculino quanto o feminino são reinventados na sociedade contemporânea.

Sendo assim, ressalta-nos a não possibilidade de fixar uma identidade metrossexual (p. 112). Contudo, ao longo do texto, vemos o autor elencar uma série de características que nos passam uma ideia de algo fixo, um modelo, como, por exemplo, o metrossexual ter que gastar muito com determinados produtos, saber determinados assuntos, frequentar certos lugares.

Wilton Garcia não leva em consideração, quando avalia o metrossexual, as especificidades de onde esses homens extremamente vaidosos se encontram. Sua análise, na verdade, sobre o metrossexual brasileiro, fica tão ampla que nos dá impressão que ele poderia estar falando sobre um homem que se situa em qualquer lugar, o que nos faz pensar que há uma fórmula, um modelo, – apesar da pluralidade da contemporaneidade – de se ser metrossexual. Quem não agir como o Divino ou como o Ary (personagem usado como exemplo no capítulo “Perfil”) poderá ser considerado metrossexual?

Apesar de, desde o início de seu texto, o autor usar a palavra “metrossexual”, é apenas no capítulo que leva esse título, no qual ele explicará melhor que termo é esse, quem o criou e onde surgiu. Nessa parte do livro, Wilton Garcia reafirma muitas ideias sobre esse masculino que ele já havia dito nos capítulos anteriores. Para quem não conhece o termo, ou pouco sabe sobre ele, nesse capítulo, Garcia faz um bom resumo sobre seu surgimento e o criador do neologismo, o jornalista Mark Simpson.

Uma crítica que Garcia faz aos metrossexuais diz respeito à grande preocupação que esse masculino tem com o cuidado de si, tornando-se “um escravo coeso do bom gosto”, mas que “pode esquecer-se de pensar, refletir sobre a vida” (p. 126).

Além disso, segundo Wilton Garcia, o metrossexual é heterossexual. E essa imagem do homem que cuida da aparência, que se preocupa em estar bem, é apropriada pelo mercado e a mídia e contribui para que os homens possam exercer sua vaidade sem terem sua virilidade questionada. Seria uma espécie de sair do armário (Sedgwick 2007) – ou da cômoda, se se preferir – e passar a usar produtos e serviços identificados como for men.

O autor dialoga, ainda, com a mitologia de Narciso para reforçar a vaidade masculina do metrossexual como aquela que quer seduzir e receber elogios das pessoas. Também, como aquele que busca não mais ser o desejante, mas o desejado, o que atrai os olhares e admirações.

Como que para ratificar o perfil desse homem extremamente vaidoso, Garcia discorre sobre algumas preocupações metrossexuais com a higiene, roupas, acessórios, alimentação. Até a intervenção médica esse homem extremamente vaidoso se lançará em busca do corpo perfeito.

O estudioso trata mais detalhadamente sobre o perfil do metrossexual na figura de Ary, contando como é um dia na vida desse personagem, manifestando desde o seu acordar – o que ele faz, o que toma ou não no café da manhã –, seu trabalho e até sua ida a uma festa e a uma exposição de pinturas, revelando-nos, assim, toda a sua performance.

Garcia termina seu texto ressaltando a necessidade, nas ciências humanas, de mais estudos sobre o metrossexual, a fim de se pensar as masculinidades que se apresentam atualmente.

De modo geral, a obra é conveniente para pensarmos o metrossexual no Brasil, apesar da forma genérica como o autor trata da questão em alguns capítulos. Logo, é um trabalho que contribui para as reflexões referentes às masculinidades.

REFERÊNCIA

Foucault, M. 1997. Resumo dos cursos no Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

____. 2006. O poder psiquiátrico: Curso dado no Collège de France (1973-1974). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes.

Freitas, L. K. M. R. 2011. Novos modos de (a)enunciar o masculino na mídia: O discurso da publicidade sobre o metrossexual. Revista Litteris 7: 1-15. Disponível em: www.revistalteris.com.br, acessado em 20/12/2011.

Garcia, W. 2005. Corpo, mídia e representação: Estudos contemporâneos. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

Sedgwick, E. K. 2007. A epistemologia do armário. Cadernos Pagu 28: 19-54.

 





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