Cultura e natureza, oralidade e escrita em áreas de florestas e cidades do Vale do Juruá, Amazônia acreana
Gerson Rodrigues de Albuquerque
Universidade Federal do Acre, Brasil
CULTURA E NATUREZA, ORALIDADE E ESCRITA EM ÁREAS DE FLORESTAS E CIDADES DO VALE DO JURUÁ, AMAZÔNIA ACREANA
Resumo
Produzido a partir de pesquisa realizada no período compreendido entre 1993 e 2001, o presente texto tem como objetivo central dialogar com as práticas culturais de mulheres e homens de rios do Vale do Juruá, na Amazônia brasileira, pontuando as formas como esses trabalhadores rurais se articulam e se rearticulam na produção social do espaço em que vivem, em um complexo processo de vinculação com o mundo natural. Procura atentar, ainda, para as relações e os conflitos estabelecidos entre escrita e oralidade, tentando mostrar a histórica luta de agroextrativitas, no sentido de dominar a habilidade de ler e escrever, como forma de superar as manipulações e as regras de controle do patrão-barracão.
Palavras-chave: Culturas, natureza, Amazônia acreana.
CULTURE AND NATURE, ORALITY AND LITERACY IN FORESTS AND CITIES OF THE JURUÁ RIVER VALLEY, STATE OF ACRE, AMAZONIA
Abstract
Departing from a research conducted between 1993 and 2001, this study has as its central objective the dialogue with the cultural practices of women and men of the Juruá river basin, in the Brazilian Amazon, pointing the ways these rural workers articulate and re-articulate themselves in the social production of the space in which they live, considering the complex processes of relation between them and the natural world. This study also focus on the social relations and conflicts established between writing and orality, trying to expose the historical struggle of the rural people to master the skills of reading and writing as a way to overcome manipulation and control exerted by the patrones.
Keywords: Culture, nature, Acrean Amazon.
CULTURA Y NATURALEZA, ORALIDAD Y ESCRITURA EN ÁREAS DE BOSQUES Y CIUDADES DEL VALLE DEL JURUÁ, AMAZONÍA ACREANA
Resumen
Producido a partir de la investigación realizada en el período comprendido entre 1993 y 2001, el presente artículo tiene como objetivo central hacer un diálogo con las prácticas culturales realizadas por las mujeres y los hombres de los ríos de la cuenca del Juruá, en la Amazonía brasileña, tomando en cuenta como esos trabajadores rurales se organizan y se reorganizan en la producción social del espacio en que viven, o sea, en un complejo proceso de vinculación con el mundo natural. Busca observar, todavía, las relaciones y conflictos establecidos entre la escrita y la oralidad, intentando exponer la histórica lucha de los agroextractivistas en el sentido de dominar la habilidad de lectura y escrita, como forma de superación de las manipulaciones y las reglas de control del patrón-barracón.
Palabras-clave: Cultura, naturaleza, Amazonía acreana.
INTRODUÇÃO
Tempo, espaço, natureza, memória, cultura, são questões complexas, repletas de muitos significados, que se articulam, ao longo do presente estudo, como elementos fundamentais para dialogarmos com o cotidiano de trabalhadores rurais da Amazônia juruaense, acompanhando suas lutas, suas expectativas, seus projetos e suas relações com a floresta e com os outros seres que nela habitam. Desse modo, o artigo está estruturado a partir de um conjunto de fontes orais: depoimentos, entrevistas e histórias de vida de homens e mulheres que vivem em áreas de florestas e cidades do vale do Juruá, na Amazônia acreana. São seringueiros, açaizeiros, caçadores, parteiras, rezadeiras, lavadeiras, cozinheiras, pescadores, barranqueiros, agricultores, peões de derrubada, em uma palavra, um conjunto de sujeitos tão diversos quanto seus afazeres e ocupações. Entre eles, encontram-se negros, mestiços, caboclos, indígenas de diferentes etnias, brancos, “embranquiçados” e outras misturas étnicas que são ocultadas por uma noção de “seringueiro” ou “trabalhador rural” que romantiza e elimina as diferenças internas entre tais grupos humanos. Seus pontos de vista e opiniões, suas trajetórias e lutas, bem como as expressões de suas culturas, manifestam-se nas reflexões presentes ao longo de todo o texto.
Nas décadas de 1980-90 – num contexto de crise do extrativismo da borracha e de mudança de orientação dos financiamentos estatais, bem como dos interesses econômicos de capitais privados na Amazônia acreana, com ênfase para a implantação de fazendas para a pecuária e início da forte pressão para a retirada e venda de madeira –, as populações de mulheres, homens e crianças que viviam em áreas de florestas ou nos barrancos dos rios próximos às principais cidades do Vale do Juruá (Cruzeiro do Sul, Tarauacá, Feijó) passaram a viver constantes tensões e conflitos ante as ameaças de despejos e expropriações das localidades onde viviam.
Mesmo as tentativas de organização de cooperativas e atos de protesto contra as violências sofridas motivavam atos coercitivos por parte dos patrões, que recorriam à justiça como forma de proteger a propriedade da terra e evitar “desordens” ou “tumultos” ameaçadores da “ordem pública”. Parte substancial dos depoimentos que se constituem como fontes de pesquisa para este estudo fazem referência a tais conflitos. Por essa razão, tendo em vista questões de segurança, alguns dos depoentes, pediram para não ter seus nomes revelados e aparecem no texto com nomes criados no momento da transcrição das entrevistas.
Por fim, é preciso e necessário destacar que este texto reflete experiências de determinados sujeitos sociais, vivendo determinadas situações e interagindo com elas na condição de sujeitos históricos que se produzem na mediação com as forças, as condições materiais e simbólicas, as idéias, os projetos e os discursos de seu tempo. Desse modo, seria incorreto atribuir tais experiências e a materialidade de suas práticas culturais a toda essa enganosa construção histórica sintetizada no termo Amazônia. As questões aqui pontuadas dizem respeito a leituras e a traduções de experiências e culturas materiais vivenciadas/produzidas por grupos humanos de determinados territórios e não podem ser tratadas de forma reducionista e a-histórica como se refletisse realidades de todos os ambientes culturais e naturais das vastas Amazônias e Pan-Amazônias.
PRÁTICAS CULTURAIS PRODUZINDO TEMPOS E ESPAÇOS EM FLORESTAS E CIDADES AMAZÔNICAS
“A gente veve e fala de coisa assim que a gente vê e ouve, das veizes que andamu, e foi muitas noite e dia e de madrugada, assim cortando essas madêra, perparando o fabrico da siringa. E era ali, assim, passando fome, cumendo o que dava prá cumê. Isso já vem de muito longe, dos meu pai, do meu avô (...) As veizes eu tô ali assim num canto, aí vem aquele chêro, é um chêro assim do mato, da água nas fôia, do uricuri quando cai que fica lá aquela ruma espaiada no mei do mundo, sei lá, aí vem assim aquelas lembrança e eu fico ali assim calada pelo canto me alembrando assim das coisa, das coisa boa e das outra triste, das coisa que a gente sonhava, de tudo isso assim num sabe? Ali assim bem quietinha no meu cantim”.
Essas palavras de dona Valdenora Amorim dos Santos, trabalhadora rural do rio Moa, descortina o universo de percepções acerca das trajetórias de diferentes mulheres e homens e dos modos de viver das populações que vivem ao longo do rio Juruá e seus principais tributários. Chama a atenção, logo de partida, que a memória não é apenas o resultado das lembranças/palavras selecionadas no ato da entrevista, tendo como pano de fundo sua trajetória distante ou recente. É muito mais que isso: é resultado de certo por do sol, uma manhã de chuva, uma noite de lua. É produto do cheiro, como faz questão de ressaltar, acenando para essa interpretação do vivido a partir do momento presente.
Com olhos amendoados, sobrancelhas largas, andar torto por causa de uma queda do mutá,1 e um jeito amazônico de gesticular a fala, sempre num timbre alto, dona Valdenora, encarna toda uma pluralidade de práticas culturais da região em que vive: mãe de nove filhos e avó de sete netos, agricultora, diarista, lavadeira, cozinheira, seringueira, coletora de frutos e folhas/raízes da floresta, caçadora, pescadora e benzedeira. Tendo experimentado – e ainda experimentando – diferentes situações de trabalho e vida, essa mulher da floresta carrega em sua fala a marca dos muitos significados do cotidiano e dos modos de viver em seringais na região do Juruá.
Conheci sua casa, no momento da entrevista, embora tenha sido apresentado, ou me auto-apresentado a ela, uns quarenta minutos antes. Afastada, aproximadamente, quinze minutos da beira do rio, construída toda em madeira retirada da floresta, com esteios, feitos com “pau de âmago” (madeira forte), que medem aproximadamente um metro de altura, assoalhada com paxiúba e coberta com “palha de jaci” (palmeira), à semelhança de parcelas significativas das habitações tradicionais dos seringueiros da região. Com paredes, em palha e paxiúba, apenas nas divisórias internas da cozinha à qual se chega passando pelo amplo quarto, também fechado, através de duas portas, uma em frente da outra. Esse tipo de habitação conta, ainda, com um espaço mais amplo, em sua parte dianteira, que serve como sala de visitas e dormitório, onde os visitantes podem atar suas redes, na hora de dormir.
Na parte inferior, “embaixo” da casa, estão distribuídos pequenos cercados, ocupados por galinhas com pintos novos, patos ou jabutis presos, e dois ou três cachorros, deitados nos espaços abertos.
No entorno de sua casa, situa-se um amplo terreiro, com uma pequena quantidade de aves das espécies citadas, algumas plantas pequenas e pés de limão e laranja, bem como um pilão e a prensa para o fabrico da borracha. Mais ao fundo, localiza-se a privada à qual se chega por um pequeno caminho. Paralelo a ele, outro caminho, quase sempre molhado, indica uma cacimba e um pequeno córrego, espaço para lavagem de roupas e banhos ao fim do dia, com o uso de pequenas cuias, produzidas do fruto de uma espécie vegetal, em forma de bola, conhecida por “coité”, com a qual fazem, também, cumbucas maiores, que servem para armazenagem de ovos e outras funções do dia-a-dia.
Caminhando uns dez ou quinze minutos, chega-se ao roçado, onde prevalecem as plantações de macaxeira, banana, milho, arroz e feijão, usados para subsistência. Daí em diante, entra-se nos varadouros que conduzem às colocações vizinhas e/ou estradas de seringa, nas quais se leva, muitas vezes, um dia inteiro de caminhada para percorrer o caminho do corte e o da coleta do látex da seringueira.
Dona Valdenora narra sua trajetória, tecendo tempos que se entrelaçam, reconstituindo sua própria cadeia genealógica: “isso já vem de muito longe, dos meus pai, do meu avô...” Trajetória essa, marcada, fundamentalmente, pelo trabalho, pela experiência do trabalho, surgindo de inúmeras maneiras, desde as práticas domésticas (tidas como essencialmente femininas) até as do corte e caçadas (tidas como essencialmente masculinas).
Como uma linha de aproximação ou mesmo de intersecção entre seu cotidiano e os das gerações de seus pais e avós, dona Valdenora recupera um conjunto de fatores que na empresa extrativista condicionam muitas mulheres a inúmeros sofrimentos, mas, também, a experimentações de uma vida tão ou mais diversificada que a dos homens:
“... quando num tem maise nada, nem mercadoria que a gente troca cum burracha, o negóço é ir no mato ficá caçando uma nambú, uma paca, uma embiara dessa assim né. A gente tem um poquim de roça, aí pega uma macaxêra, uma fruta da mata, um coquim ou então pega uns peixe e vai se arranjando. As veizes eu troco assim uma galinha, uns bichim desse cum o marreteiro e já vamu aviando umas estivazinha (...) A gente vai ficando assim né, que quando os patrão, os home aí, entra empaiando a gente assim de prantá, de criá e tomando as coisa da gente, as burracha da gente tudo, aí a gente tem que se astrevê pelas estrada cortando umas seringa. Prá vê assim se dá venço”.
Impelidas por necessidades cada vez mais frequentes, muitas mulheres, assim como dona Valdenora, passaram a desempenhar funções para além do espaço da casa e do terreiro, incentivadas por estratégias de sobrevivência e, fundamentalmente, frente a uma paulatina queda dos preços e interesses pela borracha nativa.
A historiadora Cristina Wolff, em interessante estudo sobre a presença feminina em seringais amazônicos, aponta que, a partir da crise no extrativismo da borracha amazônica, as trabalhadoras e trabalhadores seringueiros passaram a estabelecer novos vínculos com a floresta e entre si, redimensionando as relações e os afazeres masculinos/femininos e convivendo, em seu interior, não mais na mera perspectiva de usufruto do espaço para retirada de riquezas. Esse “novo” modo de relacionamento transforma a floresta em um “território dos seringueiros”, onde estes vão geografando e conferindo novas formas de marcar, grafar a terra, colocar outros signos e maneiras de ocupar o espaço: “nesse novo território reforçam-se também as demarcações de gênero, em que o espaço da floresta, associado à caça e à extração do látex, principalmente, é representado como sendo ‘masculino’, e a casa e o quintal, femininos. Entretanto, nos seus depoimentos, as mulheres que entrevistei pareceram ter também grandes conhecimentos sobre a floresta, além de frequentá-la em atividades tidas como masculinas, como o corte de seringa e até, em alguns casos, a caça” (Wolff 1999:152).
Reconhecendo-se como parte integrante e inseparável, desde há muito, desse “território dos seringueiros”, dona Valdenora redimensiona as observações de Cristina Wolff para um terreno repleto de tensões, quando ela “merma”, por inúmeras vezes, instrumentalizando-se de balde, espingarda, tigelinhas (improvisadas com latas de conserva e de leite condensado), faca de seringa e facão de cintura, deslizando suas pernas curtas por sobre pequenos sapatos de borracha, sai pelas estradas para a faina do corte, como forma de “afrontar” os impedimentos impostos pelo patrão seringalista, na ânsia de conseguir uma ampliação da produção familiar de pélas de borracha.
Essa experiência de Dona Valdenora configura-se como parte das práticas disseminadas em coletividades de trabalhadores extrativistas, munidos de seus instrumentos de trabalho, dos quais se destacam a faca ou “cabrita” de seringa para fazer o corte, o balde ou “saco encauchado” para coleta do leite, a lanterna ou “poronga” e o/ou “facho” para clarear os caminhos, a espingarda que serve para caçadas e instrumento de defesa contra o ataque de animais, e o facão de cintura cujas finalidades são as mais diversas.
Na época do corte, durante o verão, esses trabalhadores saem de casa, de manhã bem cedo, em horários que variam entre três e cinco horas da madrugada. Em relação ao horário, alguns dizem que saem mais cedo para o dia de trabalho “render mais”. Outros acrescentam a isso o argumento de que “à noite, a madeira se solta mais e rende mais leite”. Tanto em um como em outro caso, a reflexão em torno de tirar mais proveito do trabalho está presente e, talvez, muito disso se deva ao próprio fato de que o corte da seringa é uma atividade que implica grande desgaste físico.
“Aqui nóis, quando sai pro corte, é bem cedim, cum tempo ainda escuro, se benze e sai cum alguma coisa pra clareá, que usa o facho pra clareá os camim (...) Quando tem rancho, nóis come alguma coisa, é uma farofa com carne, é paca, é tatu, ou então-se um caldo de peixe, uma farofa de ovo, uma conserva, o que tivé, que a nóis come, pega as coisa, é a espingarda, a faca, o saco e sai pro corte. As veiz é só farinha mermo, que a gente come, uma papa de água cum açúcar ou só cum sal e vai simbora pras estrada (...) Quando a estrada é grande mermo, cum muita madêra, aí a gente leva alguma coisa, uma farofa, uma jacuba, que tem que fazê duas volta, uma cortando e a outra colhendo, ou então-se a gente come de manhazinha e no final do dia, quando acaba tudo. Agora que quando é pôca madêra, aí dá de cumê em casa, vem almocá em casa” (Albuquerque 2005:67).
Este depoimento do seringueiro-agricultor Francisco Maurício, residente no rio Muru, articula aspectos fundamentais do que representa a “cultura material” do seringueiro. A dimensão espiritual: “sinal da cruz”, antes de sair de casa; a presença da farinha de macaxeira como elemento imprescindível na alimentação desses trabalhadores; os utensílios ou ferramentas de trabalho; o ritual de percorrer as estradas cortando e colhendo; entre outros. A forma como se refere aos instrumentos de trabalho, bem como a habilidade em que com eles interage nas caminhadas e no corte, em rápidos e precisos movimentos, permite-nos apreendê-los significativamente como extensão de seu próprio corpo.
Farofa de carne de caça, pirão de caldo de peixe, mingau ou papa de farinha com água e açúcar ou sal (jacuba), farofa de ovos, farinha com carne seca, entre outras “misturas”, vão desenhando o cenário do “rancho” de seringueiros-agricultores de diversas localidades do Juruá. Em diversas entrevistas e conversas informais, diferentes trabalhadores faziam questão de enfatizar que a “jacuba num é muito bom comer não”, porque causa “fraqueza nas pernas”, como observou Amélia Furtado, professora e agricultora do Igarapé da Conceição, afluente do rio Muru, em Tarauacá.
Vale ressaltar, no entanto, que embora apresente características gerais semelhantes, as condições de trabalho no corte da seringa variam muito de uma a outra localidade e, mais ainda, de um para outro seringueiro. Além do mais, devemos considerar que, nos últimos anos, surgiram técnicas alternativas para a extração do látex da seringueira.
É possível encontrarmos seringueiros que cortam a seringueira num dia e vão coletar o leite um ou dois dias depois. Para isso, deixam o leite “qualhar”, colocando nas “tigelinhas”, antes de embutir na madeira, um pouco do leite da gameleira, uma outra espécie de árvore da floresta amazônica. Nesse caso, a coleta é feita colocando-se o “leite qualhado”, com seu inconfundível e forte cheiro, dentro de um saco encauchado e, posteriormente, conduzido a uma prensa de madeira que geralmente fica no terreiro da casa do trabalhador.
Outra prática semelhante a essa, consiste em cortar e “colher” no mesmo dia, sendo que o leite coletado é derramado num recipiente onde se acrescenta um pouco do leite da gameleira, ou um produto químico “ácido” que adquirem na “rua”, para ser “qualhado” e depois levado à prensa.
Não obstante, existem, ainda, em diversas localidades, os seringueiros que se utilizam da “velha” técnica de preparar as “pélas” de borracha em bolas escuras, enegrecidas pela fumaça, que consagrou o termo “ouro negro”. Esse processo ocorre pela defumação do leite e implica uma série de procedimentos que demandam maior tempo e esforço físico por parte do trabalhador.
O trabalho de “defumação” ocorre, quase sempre, no final do dia, após o corte, no interior de uma pequena palhoça (defumador), em que fica uma fornalha elaborada em uma cavidade no chão, com um orifício por onde deve passar somente a fumaça dos cavacos de madeira, misturados com coquinhos de ouricuri que queimam em seu interior. Atravessado, acima da fornalha, fica o guindaste (duas “forquilhas”) de madeira (“bacaba” entre outras) e o cavador, também de madeira (“amarelão” ou “envireira ferro”) que sustenta a “péla” no processo do “fabrico”.
As “pélas” daí resultantes variam de trinta a cinquenta ou sessenta quilos, algumas até mais, sendo que o seringueiro as prepara sozinho, acrescentando o leite da seringa, girando o cavador sobre o guindaste, lavando o princípio, passando na “tálba” para tirar as “lombadas” e voltando, sucessivamente, ao defumador até adquirir sua forma final.
No cotidiano de mulheres e homens da Amazônia juruaense, o cerceamento da liberdade, as muitas obrigações a cumprir com o patrão/barracão estão inseridas de maneira indissociável nas suas formas de viver, perceber e apreender o mundo. As coisas que aprendeu (vendo, ouvindo, acompanhando, lembrando) com seus pais e avós imprimem uma marca tão visivelmente projetada nas palavras e gestos com que expõe sua trajetória, sua condição de trabalhadora para outro, de uma maneira tão “estranhamente natural”, que permite ponderar sobre um interativo e permanente processo de articulação entre o passado e as formas de compreensão do mundo e das possibilidades de viver o presente.
Viver esse que desafia as lógicas do racionalismo cientificista pela qual os rios, pássaros, florestas e animais receberam uma padronização fixa, presa à rigidez de conceitos que passaram a estabelecer um hiato entre aquilo que descreviam como sendo a natureza, objeto de estudos e pesquisas, e a sociedade, com o homem completamente dissociado desta, refém de uma temporalidade abstrata. Nesse campo de análise, é conveniente o estudo de Mauro Leonel, para quem os saberes tradicionais das populações residentes na floresta estão vinculados a toda uma intimidade entre homem e meio ambiente: “O uso diferenciado dos recursos naturais pelas sociedades das florestas tropicais é um modo de ser e de ver diferente, não apenas um conjunto de técnicas isoláveis, mais ou menos sofisticadas. O elo é a integração em que se encontram com os outros seres, resultando em uma dimensão maior dos limites, pela intimidade com o ambiente” (Leonel 1998:220).
Ao estabelecer práticas de convívio pautadas pela integração/incorporação ao “mundo natural”, com o qual instituem uma profunda relação de troca, tensões, receios, crenças, aprendizados e de satisfação das necessidades materiais garantindo-lhes a sobrevivência, trabalhadores agroextrativistas2 rompem a dicotomia homem-natureza, construindo/reconstruindo cotidianamente as bases de uma “outra” concepção e produção do espaço, “geo-grafando-o” e produzindo outras formas de territorialidades.
No processo de incorporação do meio ambiente, como parte de suas culturas, está presente uma relação de reciprocidades. Relação essa marcada por intersubjetividades e mediada por um conjunto de fatores em que sobressai o trabalho no extrativismo, a sobrevivência da família, os “confrontos” com o patrão e as condições de posse da terra. Aqui reside, exatamente, uma dimensão importante para a compreensão dos modos de viver dessas populações, ou seja, a de que a luta pela posse da terra não significa apenas uma luta pela propriedade, na perspectiva que carrega em seu bojo, como partes indissociáveis, as dimensões psíquica e social (Albuquerque 2005:43).
Constitui-se, entre seringueiros da Amazônia, uma relação subjetiva com a natureza, pontua Antonieta Antonacci, a partir da qual “a floresta e seus seres não são tomados como objetos, mas como sujeitos integrantes de sua vida cotidiana, como parceiros com quem compartilham o viver, o trabalhar, o pensar, as crenças e os valores que fazem parte do ser e estar na mata. Em suas experiências de sobrevivência nos seringais, estas árvores constituem-se nas matrizes da cultura destes trabalhadores. E importa considerar que só assumem seu sentido como partes da mata” (Antonacci 1999:195-196).
A fala de dona Valdenora, com seu jeito “alvoroçado” de dizer “a gente vai se arranjando...”, embora partindo de sua experiência individual, é carregada de valores que expressam práticas coletivas e evidenciam tanto uma noção de cultura, quanto uma noção de tempo e espaço, não como coisas dadas, rigidamente fechadas, mas como “realidades históricas”, como escreve Milton Santos, para quem: “em qualquer momento, o ponto de partida é a sociedade humana em processo, isto é, realizando-se. Essa realização se dá sobre uma base material: o espaço e seu uso; tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições” (Santos 1997:44).
Nessa direção, podemos salientar que, acompanhando modos de vida entre trabalhadores rurais, na região do Juruá, podemos dar conta de que suas intervenções, seus saberes, suas tradições, costumes e valores apontam para formas múltiplas de relacionamentos com o mundo que os cerca, transformando-o e sendo por ele transformados, num contínuo processo de construção social.
É dona Valdenora, quem nos remete, mais uma vez, a outras dimensões de seu cotidiano:
“aqui, nesses mêi, a gente mermo é que cuida uns dos outro. Tem mermo que se pegá com tudo, a gente se ajuda e vai uns ajudando os outro e vivendo, que meus fii e agora é os neto, até os minino dos vizim, que num tem jeito mermo de nóise levá lá pra rua, o negóço é se virá é cum o que a gente tem mermo, que eu faço logo é benzê, com a vassôrinha e as reza que eu aprendi aí. Então-se, é cum nossa fé mermo, que a gente se pega.”
Essa prática de “rezar” ou “benzer”, assimilada de sua avó, se articula em torno de um conjunto de rituais amparados em elementos que envolvem toda uma simbologia, unindo recursos oriundos da floresta, como o uso do “ramo” ou “galho” da vassourinha e orações que variam do “Pai Nosso” e “Ave Maria” ao apelo às forças da natureza para “livrá” do mal e “fechá” o corpo. Apelo esse, elaborado numa linguagem incompreensível pelos ouvintes, que Dona Valdenora, como muitas outras rezadeiras, não revela e que atribui sentido à força de seu “poder de cura”.
Tal sincretismo se respalda não somente nas formas heterogêneas com que busca alternativas às suas carências e impossibilidades, mas, fundamentalmente, nas intersubjetividades entre suas práticas culturais e a natureza, constituindo-se como resultado de sua própria trajetória e conhecimentos acerca do ambiente em que vive e de suas possibilidades.
Reconstruindo suas trajetórias, amparadas em suas práticas, Marta Amorim, trabalhadora rural e parteira que mora no Igarapé do Caucho, em Tarauacá, traça com impressionantes palavras os caminhos que a levaram a tornar-se parteira:
“olhe, eu já peguei muito mais de cem minino, que eu virei parteira quando eu me casei, que tive meu primêro fii, eu num sabia o que fazê, quando foi prá tê esse minino. Aí o hôme saiu pra arrumá ajuda, que eu fiquei lá me agarrando sozinha, então-se que quando eu num podia mais me aguentá que já tava na hora mermo e nóise andava fora de casa, prá ir prá casa duns parente nosso, que foi quando eu num tinha mais o que fazê e eu mermo no mêi aí do mato, sem força de nada, que eu cortei sozim o imbigo e peguei eu mermo lá o minino, cortei lá cum a faca que num tinha nada prá passá e cuns dia ele falicêu.”
A partir de suas próprias experiências, dona Marta passou a “pegá minino”, na região do rio Muru e Tarauacá. Atividade essa que ia grafando em uma caderneta, com um pequeno pedaço de carvão. Caderneta essa, que fez questão de mostrar-me, como “elemento comprovador” ou “legitimador” daquilo que expressava, principalmente, porque constava, também, um treinamento realizado no Hospital “Sansão Gomes” de Tarauacá.
Na mesma direção, Francisca das Chagas Amaral, a dona Chiquinha, produz seu relato, constituindo os caminhos que a fizeram consagrar-se como reconhecida parteira, em razão da atuação que passou a desempenhar desde os quinze anos de idade, seguindo as orientações de sua irmã mais velha, quando morava no Seringal Califórnia, Igarapé Maronalzinho, no rio Envira. Em sua longa narrativa, a depoente constitui, com riqueza de detalhes, as diversas situações dos partos que realizava e, ainda, realiza, já com mais de 70 anos:
“Vige, eu fiz muito parto no seringal, que num tinha hora. As veiz eu tava em casa de madrugada, quando dava fé vinham me pegá, que era de canoa, a pé, era de tudo o que é jeito que eu ia. Daí eu chegava na casa, procurava logo vê se tava tudo limpim, que eu sempre fui assiada, daí preparava um caldo com farinha, um poquim de pimenta, mantêga e água, perparava e dava pra muié ganhá coragem. Aí quando ela tomava aquele caldo, que a bolsa já tava espocada, então eu ficava no quarto sozinha cum ela, porque só eu via a muié, ninguém mais ficava comigo, nem o marido, e era só da cintura prá baixo, que eu cobria ela cum lençol limpo. Quando o minino vinha, eu cortava o cordão assim com três dêdo do pé da barriga, cortava cum uma tesôra desinfetada com álcool que era meus instrumento, juntamente com minhas mão. Aí cortava, dava um nó e jogava os resto com aquela pracenta no bacio da muié, que depois eu ia e enterrava. Pegava minino de tudo que era jeito, de pé, sentado, de cabeça, que graças a Deus nunca morreu nenhum, só morreu o meu premêro fii, porque num fui eu que fiz o parto. Agora que quando dava pobrema, assim da mué ficá inframada, no resguardo, prá passá as dores, eu fazia um cozimento cum algodão rôxo ou cum algodão branco, cum rôxo é melhó, pingava duas gôta de azeite doce dentro e dava pra muié se lavá, as veiz era eu mermo que lavava. No resguardo, eu ficava acompanhando, as veiz ficava três, quatro dia e até mais; que quando era minina muié, o resguardo era de um mês; quando era minino hôme, era de quarenta dias. Aí eu ficava lá, preparando a comida, que num podia cumê qualqué coisa, era um pirãozim de galinha escaldado, era uma canja, pirão cum mantêga. Só num podia cumê carne de caça, tipo assim o viado do chifre corado, porque é muito reimôso.”
Embora longo, considero interessante acompanharmos esse relato de dona Chiquinha, que após ter morado por vários anos na região do rio Envira, município de Feijó, mudou-se para Rio Branco, sendo uma das “fundadoras” do Bairro da Bahia, área de conflitos, em função das ocupações de terras pelas famílias de seringueiros, que eram expulsas dos seringais a partir da década de 1970.
O curioso é que, sabendo que eu era da Universidade Federal do Acre, a “parteira”, como também é conhecida na “região da baixada”, foi logo dizendo que era formada na Maternidade “Bárbara Heliodora”, em Rio Branco, capital do Estado do Acre, com “diploma” e tudo, sendo que, durante quase toda a entrevista, ela insistia em relatar seus partos, apenas, a partir do momento em que fez o “curso na cidade, com os médico formado”.
Em certo sentido, isso demonstra o quanto ela internalizou os valores do mundo da escrita e do conhecimento técnico institucional, cientificista, como legitimador do saber: “se o sinhô quisé eu mostro meus diploma”. No entanto, o que chama atenção na fala dessa mulher é a sua trajetória como parteira, tanto em seringais do Juruá, onde atuou, quanto em um bairro “periférico”, onde, até hoje, as mulheres optam pelo trabalho das parteiras tradicionais, nas quais depositam mais confiança que nos trabalhos de médicos da maternidade de Rio Branco.
O ritual do caldo “pra muié criá corage”, bem como do ato de enterrar, ela própria, a placenta e os “resto do cordão”; o uso do cozimento de algodão roxo com as duas gotas de azeite doce, para aliviar as dores e anular as inflamações; os diferentes tempos do “resguardo” em caso do recém-nascido ser mulher ou homem; as restrições alimentares, como a do “viado do chifre corado”, são expressões de conhecimentos e saberes que, assim como os de dona Marta e de tantas outras parteiras e rezadeiras dos seringais amazônicos, foram acumulados como resultado de suas próprias experiências de vida; nelas, os gestos são repletos de historicidade e o simbólico reflete a concreticidade da vida cotidiana.
Seus conhecimentos originaram-se nas tensões, nos desesperos, nos acertos e erros e na história que mulheres e homens experimentam naquelas específicas condições de vida, em que a interação com o mundo natural é parte indissociável. Os saberes adquiridos dessa experiência se configuram, portanto, como parte integrante do cotidiano e da vida daqueles sujeitos sociais do interior da floresta, distanciando-se, dessa forma, de uma prática do saber dissociada da sociedade, que concebe, como única via possível, a lógica ou o estatuto do conhecimento acadêmico e da racionalidade técnico-científica.
Assim, é na dinâmica de um conflituoso processo de luta pela sobrevivência que os trabalhadores rurais relacionam-se com o universo da mata, amparados em práticas que têm a ver, fundamentalmente, com suas perspectivas de vida. Desse modo, quando necessitam matar, pescar ou retirar madeira, visando as “trocas” com marreteiros, madeireiros ou gerentes de seringais, dos quais recebem as estivas que precisam, o fazem mesmo alterando velhas crenças e costumes.
No vale do rio Juruá, frente a todos os problemas decorrentes da falta de incentivo ao extrativismo da borracha, agravados nos últimos dez anos, tornaram-se cada vez mais frequentes as práticas de retirada de madeira, a caça de pequenos animais como jabutis, pacas, macacos, tatus, veados e mesmo de ervas e plantas medicinais por seringueiros e outros trabalhadores rurais, visando garantir sal, açúcar, biscoitos, cigarro, café, tecidos (calções, camisetas, vestidos, calças, bonés), munição, facões e espingardas, propiciadores de sua manutenção no interior da floresta.
Mas, se o mercado coloca-se a todo instante, com sua marcante tendência a reorganizar o espaço, de acordo com premissas que visam desarticular aquilo que considera “velho” e “ultrapassado”, para impor o “novo” ou “moderno”, não se pode deixar de atentar para a ação de sujeitos sociais que, como os trabalhadores extrativistas, constituíram historicamente modos de ser e viver indissociavelmente vinculados à floresta e a uma maneira própria de uso e posse da terra, em específico e de relações com a natureza, em geral.
Nessa direção, é significativa a reflexão de João Costa, trabalhador rural das margens do rio Juruá:
“se a gente quer ter uma melhora, num pode sair assim dessas terra, que noís trabaiamu a vida toda, nesse rii (rio) aí acima. É cortando, prantando, fazendo umas pesca, umas caça, porque se nóis tem o rancho, o resto tá bom, tá direitim porque a mata dá de tudo, a gente só tem é que saber como é que é direitim. Se for prá rua morre de fome, o que que nóis vamu fazê por lá, sei lá por onde”.
Articulando-se com outros trabalhadores seringueiros, esse trabalhador agroextrativista propõe, em sua fala, que a incorporação dos recursos naturais ocorre frente a um conjunto de conhecimentos e saberes que circundam o ambiente em que realizam seus afazeres. Saberes acumulados de diferentes maneiras nas práticas de mais de cem anos de extrativismo, portanto, intimamente vinculados a um modo de ser, produzir e viver.
Desse modo, a floresta não é encarada na condição de um objeto estático, inanimado. Talvez a melhor forma de apreensão disso esteja em como relacionam-se com a terra, vista não como um produto com valor de mercado, mas parte integrante de suas formas de trabalho e manutenção de específicos modos de viver. Neles, cultura e natureza, ou homem e meio ambiente, surgem como partes de um todo, que engloba todas as manifestações, condicionantes históricos, tensões, conflitos e contradições que envolvem a construção social de um espaço/território.
Entranhadas em suas culturas, as formas de viver na floresta englobam diversificados afazeres, articulados em diferentes temporalidades, como aponta dona Valdenora, evidenciando um diálogo com as “leis da natureza” a partir das diferentes situações práticas do dia-a-dia. Essas situações perpassam desde as condições climáticas, onde o verão é o tempo de derrubadas/queimadas para colocar roçado e, principalmente, do corte da seringa e fabrico de borracha; enquanto o inverno é tempo de caçadas e coleta de frutos silvestres.3
“Minha mãe dizia prá gente que no inverno a gente num corta, modo que a chuva lava tudo e que as madêra precisa descansá, maise então-se também num passa fome, porque é as época de fruta na mata. Tem também a caça e a gente vai dando um jeito daqui, outro dali e vamu vivendo aí como Deus manda”.
A partir dessas palavras, Marivaldo Leite, trabalhador rural do rio Valparaiso, articulando as lembranças daquilo que ouvira sua mãe falar, elabora as representações acerca da forma como sua própria existência e a de sua família estão imbricadas com uma noção de espaço/tempo, ritmando seus afazeres diários, permitindo uma melhor compreensão da dinâmica da natureza e de suas possibilidades de intervenção, seja no corte da seringa, no plantio de roçados ou na coleta de frutas em conformidade com as estações climáticas.
Seguindo a mesma trilha do depoimento de Marivaldo, a trabalhadora rural Josefa Alves, também do Valparaiso, enquanto enxágua sua roupa na “bêra do paranã”, indica que “o verão prá noise é prá empauzar as madêra e limpá as estrada, prá botá fogo em roçado e prá cortá siringa. Maise, nóis fica espiando, esperando ali as chuva prá chegada do padre que vem de tempo em tempo com as irmã, que vem batizá os menino. Quando tem cabeça d’água (rápida enchente dos rios ou repiquete), aí nóis vai prá bêra (margem do rio) prá pegá estiva cum marreteiro que é mais em conta, que no barracão num tem é nada”.
Ganha relevância destacarmos que, em conformidade com as estações/tempos, as mulheres e os homens dessas localidades organizam suas festas, atividades religiosas e alternativas de ludibriar o controle exercido pelo patrão/barracão, “tirando borracha prá fora”,4 organizando-se para comprar pouco ou buscando inúmeras opções de tirar da floresta alternativas para comprar o menos possível nas lojas dos patrões e embarcações de marreteiros.
Em uma série de outros depoimentos coletados/produzidos entre os trabalhadores rurais do rio Muru, na confluência dos municípios de Tarauacá e Feijó, também, é possível surpreender aspectos da relação cultura-natureza ou natureza-cultura:
“a época do verão é quando a gente passa mais crise na mata, porque num tem fruta. No inverno, dá tudo que é fruta, é patoá, bacaba, açaí, sapota, cacau, bacuri, biorana, apuruí, tudo isso dá na mata e a gente come sem tê que prantá. Cajá, também, quando tão madura cai, a gente faiz suco, come. No inverno, dá tudo, ouricuri, jaci, cocão, pama (...) agora, só quem dá nela mermo é o papagai, a nambu, esses bichim assim (...) Rapaz, pelo meno a fruta que o macaco come, eu como que num tem perigo, a fruta que o viado cumê, eu como também que num tem perigo. Agora a fruta que a cutia come, eu num como porque é venenosa. Só tem o macaco paruacu que come o assacu, junto com a cutia e a arara. Esse assacu né bom cumê não, é venenoso” (Albuquerque 2005:38).
Observa-se nessa fala de Francisco Maurício, por um lado, uma dimensão temporal inverno-verão, marcada predominantemente pela lógica das possibilidades extrativistas e alimentares, bem como pelos afazeres e necessidades. São elementos que implicam uma série de outros fatores como as lides do trabalho e formas de sociabilidade articuladas numa relação com o tempo ou “épocas”: tempo do açaí, tempo de brocar e encoivarar, tempo de “empauzar”, tempo de piracema, entre outros.
Apreende-se daí um misto de certezas e apreensões, em que o inverno aparece como uma época de maiores possibilidades para se conseguir uma alimentação mais variada e repleta de produtos e animais da floresta, enquanto o verão, tido como um período de maiores dificuldades para se conseguir “rancho” (sendo a compra no barracão ou no marreteiro, a principal alternativa para obtê-lo), é paradoxalmente “a época propícia para o corte da seringueira, para a derrubada da mata e a preparação da coivara para o plantio dos roçados de macaxeira, milho, arroz, feijão e outros produtos” (Albuquerque 2005:39-40).
Por outro lado, destaca-se uma relação de “sociabilidade” ou “naturalidade” com o universo de outros seres da mata, ocorrendo aí uma espécie de transmutação entre o sujeito social, o homem, e os sujeitos naturais, as aves e pequenos animais. Desse modo, comportando-se como papagaios, araras, nambus, veados, cutias e macacos, ele vai garantindo sua sobrevivência num processo em que acumula saberes e que, em última instância, nos permite dialogar com a perspectiva da destruição das desigualdades entre os homens, como propõe Carlos Brandão, e, também, entre estes e os seres da natureza. Assim, os limites das “relações e suas consequências” saltarão dos humanos e da sociedade, para se estabelecer “entre todos os tipos de seres vivos e nos entrecruzamentos entre a sociedade e a natureza” (Brandão 1994:82-87).
Subindo e descendo cursos de diferentes rios, caminhando por pequenas trilhas na floresta, convivendo com trabalhadores da região, foram surgindo dimensões que evidenciam uma diversificada formulação de linguagens que, assim como suas maneiras de falar, expressam suas identidades sociais, fazem referências diretas a paranás, igarapés, árvores, aves, insetos e outras imagens que definem “lugares e tempos de suas vidas na relação com as concepções que construíram sobre a natureza”, como afirmam Castro e Pinton (1997:226-227), para quem a utilização, por trabalhadores rurais,
“... dos recursos da floresta e dos cursos d’água estão, portanto, presentes nos seus modos de vida, enquanto dimensões fundamentais que atravessam as gerações e fundam uma noção de território, seja como patrimônio comum, seja como de uso familiar ou individualizado pelo sistema de posse ou pelo estatuto da propriedade privada”.
As formas de sociabilidade que acompanham os laços de solidariedade para abrir um roçado, num ritual que vai desde as derrubadas, passando pela coivara até as festas de confraternização; os batizados; os encontros no barracão e nas beiras de rio, entre outros são marcados pela constituição de gestos de respeito, “cumprimento”, hospitalidade e outros sinais comunicativos que compõem um conjunto de linguagens formuladas e identificadas às muitas maneiras de incorporação do território, de pertencimento a uma dada localidade.
As ações de mulheres, homens e crianças do vale do Juruá, como de tantos outros rios e paranás amazônicos, articulam-se numa constante interação, construindo e reconstruindo seus espaços em diferentes temporalidades, em que os costumes funcionam tanto para manter/reproduzir regras de controle e poder, como para recodificar formas alternativas de sobrevivência e de enfrentamento às forças que tentam desarticular seus modos de vida.
ORALIDADE, ESCRITA E CONTROLE SOCIAL ENTRE TRABALHADORES DA FLORESTA
No barracão do Seringal Valparaíso, no alto Juruá, funcionava uma escola de ensino primário, frequentada por várias crianças, filhas de barranqueiros das proximidades e de seringueiros de colocações distantes até três horas de caminhada. Geralmente essas escolas rurais funcionam mais no período do inverno, na medida em que, no verão, as crianças compõem importante força de auxílio dos pais, no desenvolvimento de pequenas atividades domésticas e nas “lidas do roçado”.
Por se localizar nas proximidades do barracão, sede dos seringais e “espaço dos patrões”, as atividades ali desenvolvidas acabam sofrendo um controle por parte destes, que entram em constantes conflitos com os professores, os quais não aceitam tais intervenções. Este tipo de conflito, geralmente acaba com o afastamento de educadores e o “fechamento de escolas”.
O sonho de saber ler e escrever, de “ser sabido”, sinônimo de batismo na cultura letrada, de uma maneira geral sempre esteve presente no imaginário de trabalhadores extrativistas, como forma de propiciar-lhes mecanismos de diálogo com os patrões na linguagem escrita, instrumento de manutenção da dependência e subordinação dos seringueiros ao barracão. Nos rios Muru, Moa Valparaiso, Taraucá, Envira, assim como em muitos outros do vale do rio Juruá, o exercício da escrita significa, em última instância, um exercício do poder: “O ‘livro de conta corrente’ e, também, um livro que articula os mecanismos de domínio e disciplina no interior do seringal. Mais que um livro, ele simboliza toda uma cadeia de endividamentos e, fundamentalmente, formas de controle e subordinação dos trabalhadores rurais frente ao barracão” (Albuquerque 2005:66).
Como forma de acompanhar as notas de compra e venda, emitidas pelo guarda-livros do barracão, o ideal da escola, caminho de acesso à habilidade de ler e escrever, bem como referencial de melhoria de vida faz-se presente em muitos dos depoimentos de mulheres e homens da mata:
“A gente caça, corta, pranta e faiz uma coisa e outra, e no final tá sempre lá devendo uma coisa medonha. Quando dá fé ele (o patrão) aí só paga uma coisinha que num vale nada, porque ele diz que o valor é esse e que tá lá nos papel dele. Agora que a gente num sabe mermo, né, e tá lá sempre devendo, devendo. Agora que se eu pudesse lê os papel dele era mais fácil de vê direitim o que é que tem lá...”
Conveniente notar, neste depoimento de Mâncio Fernando Barbosa, trabalhador rural do rio Valparaiso, que o mesmo afirma ter consciência das manipulações do patrão, enganando-o nas notas do barracão. Para ele, portanto, conhecer a escrita significa entender os meandros daquilo que “ele” (o patrão) afirma que está lá, nos “papel dele”. Mas que o próprio seringueiro coloca em dúvida.
Alimentando o sonho de aproximação ao universo das “letras do patrão”, esse trabalhador parece apontar para uma busca de entendimento da dominação/subordinação/endividamento pela leitura das “notas do barracão”. É como se a leitura o redimisse da dependência, propiciando-lhe o saldo, conduzindo-o à liberdade de comercializar, da maneira que lhe convier, sua produção gumífera.
Mas, é a reivindicação de escola para os “filho ficá sabido”, que mais atrai minha atenção, porque ela está no próprio cerne da histórica luta de trabalhadores extrativistas pelo acesso à escrita, ao lado da possibilidade de se livrar das “manipulações do livro de conta corrente”.
Dialogando com um esparso conjunto de documentos produzidos por entidades de trabalhadores rurais, como o Sindicato de Trabalhadores Rurais e o Conselho Nacional dos Seringueiros, bem como Organizações Não Governamentais que lhes prestam auxílio/assessoria e mesmo no discurso de alguns professores da chamada “zona rural”, impressiona uma espécie de “supervalorização” da importância e dos possíveis efeitos positivos que a assimilação da escrita poderia proporcionar àquelas comunidades de homens e mulheres da floresta.
A partir da leitura de boletins, cartilhas, anúncios, avisos e recortes de jornais afixados em murais de sindicatos rurais e outras entidades, como o CTA (Centro de Trabalhadores da Amazônia) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra), passei a desenvolver algumas reflexões sobre as implicações que uma “repentina massificação” da escrita entre esses trabalhadores poderia e pode acarretar.
Acompanhando as letras de um “Jornal dos Seringueiros”, podemos ter noção de como a escrita vai exercendo seu poder, com o risco de suprimir ou secundarizar os diálogos e múltiplas possibilidades de interpretação das histórias e “causos” contados pelos mais velhos, nas noites de festa ou nos dias de chuva, mutirões ou encontros religiosos. Desse modo, as palavras que transmitem experiências e conhecimentos tendem a cair em desuso e ficar no silêncio.
A história do “caboquinho da mata”, por exemplo – personagem muito presente no cotidiano de mulheres e homens da floresta, bastante popularizada, principalmente pelas suas muitas aparições, possibilitando que diferentes sujeitos refiram-se a ele de diferentes formas –, quando publicada, perde a substância plural com a qual foi historicamente forjada. Narrativas que poderiam e podem ser interpretadas de diversificadas maneiras, enriquecendo o imaginário dos ouvintes que, por sua vez, têm possibilidade de interpretá-las sob outras muitas perspectivas e olhares, surgem como patrimônio ameaçado.
No calor de minha casa, na cidade de Rio Branco, ou no Castanheta, colônia rural onde morava meu tio-avô, Pedro Odorico (Durico), “Tuchaua”5 do Seringal Santa Cruz e Cecizinho, nas cabeceiras do Muru, ouvi-o contar, muitas vezes, diferentes histórias sobre o caboquinho da mata. Histórias que ouvira da boca de outros seringueiros e que, ele próprio, incorporara como parte de suas experiências.
Ao ler a história do caboquinho da mata, no jornal “O Seringueiro”, aquelas palavras mimeografadas em um papel amarelado soavam-me monótonas, mecanizadas pela escrita e por uma rudimentar tecnologia de impressão, cujos ritmos parecem suprimir e singularizar as dinâmicas formas do viver de trabalhadores da floresta, com suas diferentes temporalidades, espacialidades e representações.
“Contam que um homem foi caçar, sem necessidade, e logo deparou com um veado. Não contou conversa, mandou-lhe um tiro. De repente, apareceu veado de tudo quanto era lado. Era veado que não acabava mais. Foi então que apareceu um caboquinho montado num veado capueiro e disse pro caçador: ‘quem mandou você matar o meu cavalo?’ Na mesma hora o caboquinho pegou uns galhos de mato e tocou no veado que estava morto no chão. Este na mesma hora se levantou e desabou na carreira. O veado prá um lado e o caçador para o outro”.6
A notícia acima transcrita, publicada em um jornal destinado a seringueiros alfabetizados do alto Acre, intitulada “Mais uma do caboquinho”, evidencia-se, em seu conteúdo, um deslocamento espacial, temporal e interpretativo. É possível mesmo falar de um esvaziamento de significados ao se pensar nos muitos sentidos que as histórias do caboquinho carregam para quem as conta e para quem as ouve. Essa “anedotização”, propiciada pelas formas de introdução da escrita entre grupos sociais que, embora a reivindiquem, tem profundamente enraizados em seus cotidianos valores de um mundo cuja base de relacionamento/sociabilidade, conhecimentos e saberes é a oralidade, as distorce profundamente.
O “caboquinho” impresso diferencia-se do caboquinho dos “causos narrados”. A base dessa diferença, não reside meramente numa dicotomia entre o escrito e o oral, como se estivessem em constante conflito e oposição, mas, particularmente, na alteração da própria natureza, do gênio daquela entidade da floresta: enquanto o caboquinho dos inúmeros “causos” narrados é perverso, impondo pânico e castigando aqueles que atentam contra animais, aves e árvores, seus protegidos, o “caboclinho” do jornal, que uma vez lido passa a ser uniformizado, apenas assusta porque aparece “ressuscitando” o veado abatido e deixando impune seu caçador. Nesse processo, ganha evidência uma tendência de desarticulação das muitas possibilidades de interpretação, os muitos olhares para o caboquinho da mata e outros seres presentes no cotidiano de mulheres, crianças e homens da floresta.
José Pelegrino, seringueiro-agricultor do Seringal Paraíso, rio Muru, assim representa um encontro seu com o “caboquim”:
“Nós verve aqui sozim, eu e meu irmão. Que um desses dia eu fui caçá e matei uma paca e dois tatu. Quando voltei o Mundico (irmão) tinha saído lá pro vizim, que aí eu fui peguei e me deitei, assim na rêde prá descansá um poquim. Só sei que adespois eu só vi foi, foi aqueles balanção assim (indica com as mãos em embalo) nos punhe da rede e quando me dei fé só vi foi aquela sombra e o caboquim, ali assim (indica com as mãos), que era um meninotezim mais ou meno desse tamãe (colocando a mão na altura da cintura), que quando eu vi, me encolhi todo, todo arrupiado no fundo da rede, me cobrindo com as bêra, que só saí de lá quando o Mundico chegou”.
Assim como a experiência narrada por José Pelegrino, inúmeros outros casos são contados por trabalhadores do Juruá, acerca de seus “encontros com o caboquim”, que aparece, na maioria das vezes, em situações em que os depoentes estavam caçando na quinta-feira, considerada um dia proibido para tal tarefa, ou retirando madeira na floresta, entre outras situações dessa natureza. Ora chicoteando cachorros, ora caçadores, ou, de tempos em tempos, vindo apanhar tabaco deixado por um determinado caçador para que não lhe castigue; assustando ou desorientando àqueles que fazem caçadas e derrubadas desnecessárias no meio da mata, as entidades protetoras da floresta (representações dos trabalhadores que vivem em seu interior), como o caboquinho, impõem medo, pânico. São rudes e cruéis.
Domesticá-las, modernizá-las ou interpretá-las distanciadas do universo em que estão inseridas, é o mesmo que esvaziar seus significados. Significados esses que estão intimamente imbricados em um mundo cuja base de referência é a oralidade. Oralidade essa que foi construída no e com o trabalho de transformação/constituição de diversas categorias de trabalhadores, em sua maioria oriundos do nordeste brasileiro, em extratores da seringa; e de parte significativa da floresta amazônica, em seringais.
Homens e mulheres, no entanto, que, alijados do exercício de habilidades escritas, ao mesmo tempo em que eram por ela “controlados”, sempre sonharam em incorporá-la por diversos fatores, entre os quais se destaca a possibilidade de melhor compreender os mecanismos que os mantinham sempre endividados com o barracão, aprofundando suas argumentações e reivindicações.
A maioria dos trabalhadores extrativistas, entrevistados ao longo de oito anos de pesquisa, mesmo tendo aprendido e repassado aos filhos, nas práticas do viver, o que aprenderam ouvindo e vendo fazer, apega-se de maneira bastante convicta a uma noção em que “ser sabido” é conhecer a escrita, saber ler e escrever, saber fazer contas, ler livros, “falar palavras bonitas”, espelhando em seu mundo coisas e valores que são representativas do mundo dos patrões.
Acompanhando experiências de culturas africanas, Jan Vansina desenvolveu ricas observações acerca dos significados da tradição oral, mesmo em grupos humanos que conviviam, desde o século XVI, com a escrita, “muitas vezes relegada a um plano secundário em relação às preocupações essenciais da sociedade”. Dialogando com questões que vão desde a compreensão de mundo às práticas de trabalho e rituais sagrados de sociedades em que “o nome é a coisa, e ‘dizer’ é ‘fazer’ ”, o autor apreendeu os equívocos de se “reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a uma negativa, ‘ausência do escrever’ ” (Vansina 1982:157).
Observando todo um conjunto de depoimentos de seringueiros do Valparaiso, do Môa, do Muru, do Envira, do Tarauacá e de outras localidades, em sua busca de manejar a escrita, de garantir escolas para os filhos, que não impediram nem impedem o desenvolvimento de todo um conjunto de práticas e saberes amparados na oralidade, é possível pontuarmos, como Vansina, que: “A oralidade é uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma habilidade” (Vansina 1982: 140).
É preciso atentarmos que a oralidade experimentada no mundo dos seringais, de uma forma ou de outra, sempre conviveu com a escrita, presente no livro de conta corrente, nas bulas de remédios, de folhas de jornais e revistas com as quais tapavam as “brechas” nas paredes de suas casas, e outros documentos pessoais que evidenciavam a todo instante que os primeiros trabalhadores extrativistas eram oriundos de meios sociais que mantinham diferentes contatos com a cultura letrada.
Por outro lado, é interessante ressaltar um conjunto de uniformizações que representou a introdução do rádio, entre agrupamentos de extrativistas, em particular com o surgimento da Rádio Difusora Acreana, “A Voz das Selvas”, na década de 1940.7 Com suas melodias, noticiários e, principalmente, com suas “mensagens de notícias”, o rádio, rapidamente consolidou-se e perdura até hoje como o mais eficaz e importante meio de comunicação entre habitantes das colônias, beiras de rios, colocações distantes e seus parentes ou “conhecidos” nas cidades ou em outros seringais.
A Rádio Difusora de Rio Branco passou a exercer um verdadeiro fascínio na região acreana, consolidando-se, cada vez mais, com seu espaço assegurado em casas nas cidades e nos distantes seringais. Eram notícias, atos governamentais, melodias e mesmo desabafos, além de buscas de alternativas, artimanhas que alguns encontraram e encontram para burlar a “ordem” estabelecida, como nos mostra Francis Mary, em significativa representação a uma mensagem ouvida: “Atenção Maria das Dores / Colocação Mucuim / na Boca do Jacaré / põe pimenta braba / na comida do patrão / arruma a trouxa / e dá no pé” (Esteves 1990:44).
Inevitavelmente, “A voz das selvas”, propiciou uma uniformização de falas e discursos. Uniformização essa, amparada na palavra escrita com sua forma de ser redigida e seu jeito de ser expressa pelo locutor, que nos faz dialogar com Alessandro Portelli, quando afirma que, se muitas fontes escritas são baseadas na oralidade, a oralidade moderna, por si, está saturada de escrita (Portelli 1997:33).
No entanto, a força da palavra escrita, acessível ao tato e manuseio de trabalhadores que, durante tanto tempo, foram por ela controlados, domesticados, disciplinados a uma empresa extrativista voltada para atender aos interesses de um mercado externo, ganha sem dúvida contornos e dimensões bem mais amplas.
Caberia um questionamento sobre o modelo de escrita adotado em seringais como o Valparaiso, no município acreano de Cruzeiro do Sul, por exemplo, como no momento em que “ele (o patrão) pegou os boletim dos meu menino e disse que ia rasgá”, como falou angustiada, dona Maria Silva. Esse modelo carrega consigo o mito alfabetizador institucionalizado pelo mundo do trabalho industrial, que supervaloriza a escrita, conduzindo a uma desarticulação de saberes, conhecimentos e modos de vida herdados de tradicionais oralidades.
“Se nóis tem essa chace de butá os filho na escola, prá nóis as coisa fica mais melhó, por causo que aí os menino vão ficando mais entendido pra vê se acha melhora, eles vão puder lê o que tá lá iscrito, anotado nas nossa nota, vendo ali o que que nóis tá aviando. De quarquer manêra já é uma melhora”.
Essa passagem do depoimento do seringueiro Elverton de Souza Melo, que vive no rio Juruá, é repleta da crença na escola, na possibilidade de utilizar-se da escrita, do saber ler como forma de manter-se informado, vigilante, quanto às coisas que são anotadas nas papeletas e livros de conta corrente, nos aviamentos de mercadorias no barracão. Para ele, portanto, a escrita, ou melhor, o domínio da escrita funcionaria como meio de controlar sua própria dívida/dependência com o patrão.
Nessa mesma direção, recorro novamente à fala de uma trabalhadora do rio Muru, relatando suas experiências de vida, no Seringal Alagoas, rio Tarauacá, quando vivenciou toda uma série de conflitos e tensões com o patrão, desde o momento em que, sabendo ler, passou a discordar das anotações contidas na “conta” de seu marido:
“Aí ei lia o talão do Hipólito (seu marido) e numas época ou outro ia e mandava eu ler os talão. Aí eu os talão e dizia: ‘taqui as coisa que vêi’, que tava lá escrito nos talão. Aí eles dizia: ‘não, num vêi isso tudo, tá faltando coisa aqui, porque taqui as coisa que nóis recebemu e aqui no talão tá outro tanto’. Aí eu dizia: ‘vocês pode ir falar lá prá ele que essas coisa num vinheram tudo aqui’. Aí eles dizia, chegava lá no barracão e dizia: ‘o senhor mandou uns objeto prá mim, mas no talão tem mais coisa do que o tanto que vêi’. Aí o patrão dizia assim: ‘quem é que tá lhe dizendo isso?’ Aí eles respondia: “ah, eu mandei a dona Libâneo ler o talão e o senhor colocou um horror de coisa aqui no talão, que essas coisa num foi prá mim, eu num recebi esses objeto tudo’. Aí ele foi e começou ficar com raiva de mim, por causa disso, porque disse que eu tava orientando os seringueiro e tava mesmo, porque a gente tava descobrindo os roubo que ele tava fazendo” (Albuquerque 2005:70-71).
Essa fala de Maria Libâneo reflete dimensões das experiências sociais de muitas famílias de trabalhadores extrativistas do vale do Juruá. Foi nesse campo de constantes tensões e conflitos, envolvendo um “mundo letrado”, controlado pelo patrão, e um “mundo das práticas orais”, universo dos seringueiros, que estes últimos desenvolveram historicamente a expectativa do controle da linguagem escrita, pois esta passou a simbolizar uma espécie de passaporte que os deixaria livre da “eterna dívida” e possibilitaria a obtenção de um “saldo” no barracão.
A instituição de escolas rurais da rede municipal ou estadual de ensino, reivindicadas há muito por significativas camadas das populações amazônicas, teoricamente capazes de propiciar a seringueiros, agricultores, caçadores e outros sujeitos habitantes da floresta, o acesso às letras, utilizadas por diferentes patrões, por mais de um século, para condená-los a uma “dívida eterna”, poderiam conduzi-los agora, a uma espécie de “acerto de contas” com o “opressor”. Mas, é preciso considerar, também, certo distanciamento de valores e possibilidades de manutenção das formas de interpretação do mundo, até então experimentadas.
Desenvolvendo um conjunto de reflexões sobre linguagem, escrita e poder, Maurizio Gnerre aponta como uma mitificação em torno dos efeitos da alfabetização no processo de desenvolvimento econômico, social e cognitivo, conduzem a uma espécie de recusa a outras formas de comunicação: “Trata-se de uma perspectiva de extrema valorização dos aspectos positivos da alfabetização, vista como passo central num processo de ‘modernização’ dos cidadãos. A alfabetização seria o passo decisivo para que grandes massas mergulhadas nas culturas orais abandonassem valores e formas de comportamento ‘pré-industrial’, se tornassem mais disponíveis para processos de industrialização e cooperassem de forma ativa no processo de expansão do poder do Estado” (Gnerre 1994:44).
A perspectiva apontada por Gnerre, em parte, pode ser aceita, quando se dialoga com o universo social dos trabalhadores extrativistas do vale do Juruá. Porém, não podemos deixar de perceber que, para além do maravilhamento de muitas daquelas mulheres, homens e crianças, ao assimilar habilidades de leitura e escrita, está presente a possibilidade de concretizar toda uma histórica luta pelo “saber” oriundo de uma cultura letrada.
Não obstante, é preciso atentar que muitos dos conhecimentos e práticas experimentadas no interior da floresta não poderiam nem poderão ser decodificadas pela linguagem escrita. Isso possibilita indicarmos que o domínio de uma cultura letrada, embora uniformize, não implica, automaticamente, a desarticulação de valores e modos de viver predominantemente orais. Principalmente porque, assim como as mensagens ouvidas através da Radio Difusora, no interior de seringais, são repassadas oralmente por aqueles que as ouvem, até alcançar a pessoa a quem se destina, muitos dos conhecimentos e histórias contadas ainda continuarão sendo viabilizadas pela linguagem oral, por um tempo que somente eles, os habitantes da floresta, serão capazes de estabelecer pelas próprias formas de viver e conviver com a escrita.
A valorização e a importância da oralidade, em diferentes localidades das Amazônias acreanas, pode ser apreendida pela escuta das mensagens transmitidas diariamente pela Rádio Difusora Acreana5 e suas “co-irmãs” em Xapuri, Brasiléia, Sena Madureira, Tarauacá e Cruzeiro do Sul. Nas ondas dessas rádios, ouve-se a voz de radialistas finalizando suas transmissões com um insistente comprometimento de solidariedade: “pede-se a quem ouviu essa mensagem, o favor de retransmiti-la ao seu destinatário”.8
Considero importante salientar a necessidade de se desenvolver um diálogo com a cultura escrita, partindo da perspectiva do que realmente ela representa e que mudanças pode operar quando inserida/manipulada no cotidiano de comunidades que, como trabalhadores extrativistas do vale do Juruá, desconhecem-na não por opção, mas por imposição de um sistema produtivo que tira proveito de suas relações com mulheres e homens constituídos no universo de culturas orais.
Esse diálogo necessita ser franco, aberto e desenvolvido diretamente com os “alfabetizandos sobre a natureza e as implicações da escrita e da leitura” (Gnerre 1994:45). Nesse debate, podemos antever um questionamento crítico do mito do analfabetismo como sinônimo de miséria, atraso, pobreza, falta de educação, ao passo que a “cultura escrita associa-se ao crescimento da produtividade, aos cuidados com a infância e ao avanço da civilização” (Pattanayak 1995:117).
Parte significativa do associativismo, dos profundos laços de solidariedade experimentados nas relações sociais de trabalhadores extrativistas, deve-se em muito às difíceis situações de sobrevivência no meio em que estão inseridos. Os mutirões, os adjuntórios e todas essas estratégias historicamente vivenciadas por agroextrativistas do vale do Juruá, para derrubar a capoeira e botar roçado, para construir casas e mesmo como um conjunto de reuniões e encontros, que os articulavam e articulam nas lutas de enfrentamento contra a tentativa de desarticulação de seus modos de viver, tornaram-se prática comum para solução de problemas e dificuldades graças à força da oralidade.
Resta atentar para a questão de que quem domina a escrita articula-se de uma maneira diferente daquele que não possui essa habilidade, frente aos problemas do dia-a-dia. Nessa direção, são convenientes as considerações de Pattanayak: “Num adulto alfabetizado, a escrita serve como mediador entre a experiência pessoal e o meio ambiente objetivo. Sob condições de oralidade, as pessoas identificam os problemas e resolvem-nos trabalhando em conjunto. A cultura escrita provoca uma ruptura no todo, permitindo e promovendo a iniciativa individual e isolada na identificação e solução deles” (Pattanayak 1995:120).
A individualização, a busca de soluções isoladas para enfrentar dificuldades, barreiras e promover estratégias de sobrevivência podem conduzir os trabalhadores extrativistas a situações cada vez mais difíceis, ampliando as ameaças de desarticulação de seus modos de vida. Mesmo aqueles que estão organizados em torno da Reserva Extrativista do Alto Juruá, podem experimentar momentos de constrangimento e verem reduzidas suas possibilidades de superar as pressões de fazendeiros, madeireiros e outras instituições que almejam sua desestruturação.
As práticas culturais, o uso da palavra falada, daquilo que é estabelecido “cara a cara”, ainda é e, provavelmente, continuará sendo por muito tempo, o elemento que confere legitimidade, veracidade, fidelidade para solucionar “questões”, desavenças entre trabalhadores da mata. Mesmo nos núcleos urbanos, nas cidades acreanas, é comum verem-se pessoas deslocando-se de um lugar a outro em busca de alguém para confirmar, “provar”, garantir legitimidade àquilo que desejam expressar.
Nesse ponto, é apropriado ressaltar algo que sempre chamou minha atenção. Em diferentes localidades, os trabalhadores que, de um modo ou outro, aprenderam a ler, priorizam as leituras de pequenos folhetos da literatura de cordel. Leituras que realizam e, posteriormente, em ocasiões de encontros, contam para outros, recriando seu contexto e atribuindo novas falas aos personagens daquelas histórias que, em si, já são repletas de tradições de orais.
Baseando-se, fundamentalmente, nessa forte presença da narrativa oral, a literatura de cordel se diferencia da escrita convencional de livros, jornais e revistas, possibilitando, assim como as histórias e “causos” narrados, uma rica diversidade de interpretações, improvisos e significados: são versos para serem recitados oralmente (Suassuna 1999:271). Nesse sentido, ela não “agride”, nem “cerceia” as múltiplas possibilidades de interpretação de suas “estórias” e “pelejas”, recurso utilizado por muitas mulheres e homens, trabalhadores rurais, quando contam a outros as histórias que aprenderam lendo ou ouvindo alguém contar um cordel.
Se o acesso a uma cultura letrada é importante para que seringueiros e agricultores possam se defender das manipulações dos patrões, isso não pode ser supervalorizado, nem enfatizado como o caminho que conduz o ser humano à superação de um estágio supostamente “atrasado”, rumo a um estágio “desenvolvido”, “superior” ou “civilizado”. Guardo minhas desconfianças sobre tais afirmativas, pois “entrar no mundo cheio de atrativos da cultura escrita significa deixar atrás de si boa parte do que é fascinante e profundamente amado no mundo oral” (Ong 1998:23-24).
Entre os seringueiros amazônicos, ainda é a oralidade, com sua força e presença marcante, que funciona como um veículo de comunicação, produção e transmissão de saberes e ensinamentos entre as gerações mais velhas e as mais novas. Isso implica dizer que, mesmo naquelas localidades em que foram introduzidas as escolas de ensino regular e/ou mesmo nas áreas abrangidas pelo Projeto Seringueiro de Educação Popular, dirigido pelo Centro de Trabalhadores da Amazônia, ainda prevalece toda uma tradição oral. Nessas localidades, a “educação formal, esse motor de aceleração (e de distanciamento) cultural, ainda não se interpôs de forma significativa nesse processo de transmissão de geração para geração” (Thompson 1998:18).
Porém, não se pode deixar de ressaltar que a escolha, a decisão sobre os caminhos a serem seguidos, compete essencialmente às comunidades dessas localidades amazônicas. Escolha que se dá no terreno dinâmico e complexo do viver; um terreno de tensões e conflitos, mas também de ricas experiências, conhecimentos e saberes que estão profundamente enraizados às suas formas de expressão e compreensão do mundo.
CONCLUSÃO
Interpretando, atribuindo significados às suas experiências de vida, mulheres e homens da Amazônia juruaense apresentam-se de maneira aberta, com seus pontos de vista, suas articulações, seus olhares, seus gestos e suas múltiplas formas de expressão na cena deste estudo. No diálogo com suas específicas maneiras de falar, seus gestos e representações do “real vivido”, suas frases e conversas repetidas, seus silêncios e digressões, procurei desenvolver uma prática de lidar com essa fonte de pesquisa a partir do prisma de que o “discurso oral se apresenta mais como um processo do que como um texto acabado” (Portelli 1996:61).
Ao acompanhar os modos de viver de populações amazônicas, procurei fazê-lo tendo, ainda, como referencial suas experiências sociais, cuja base é a materialidade da vida. Este referencial, em certo sentido, se aproxima dos conceitos de Richard Bucaille e Jean-Marie Pesez, sobre cultura material, com toda a heterogeneidade e múltiplos sentidos que ela carrega em sua perspectiva multidisciplinar. “A cultura material”, afirmam, “é apenas uma formulação muito restritiva dos múltiplos aspectos que compõem essa noção e não abarca a sua totalidade: a cultura material é composta em parte, mas não só, pelas formas materiais da cultura” (Bucaille & Pesez 1989:17).
Nas intrincadas articulações com a natureza, bem como nos processos históricos de busca da apreensão e domínio da palavra escrita, como mecanismo de enfrentamento ao controle de suas vidas pelos patrões das florestas e das cidades, os sujeitos sociais desta pesquisa produzem e reproduzem suas culturas a partir do universo da oralidade, reordenando valores e instituindo estratégias de sobrevivência em meio a um conjunto de tensões e disputas que lhes ameaçam a existência física e espiritual. A insistência com que buscam incorporar a cultura escrita coloca em evidência uma histórica luta contra mecanismos de dominação, controle e coerção social reinantes em áreas de florestas, vilas e cidades da Amazônia acreana.
Durante as pesquisas de campo, foi possível apreender que muitas das questões pontuadas nos depoimentos de trabalhadores rurais e habitantes das “periferias” urbanas e beiras de rios são trabalhadas de muitas e diferenciadas maneiras em seus cotidianos. A tradição de oralidade existente entre essas populações se manifesta não apenas no contexto daquilo que é dito ou narrado, mas, como uma intervenção de seus corpos, gestos, olhares e tonalidades da voz. Nesse caso, para captar questões e tensões muitas vezes imperceptíveis, foi necessário aprender a dialogar com as muitas formas de comunicação desenvolvidas pelos entrevistados. Nesse sentido, a “documentação oral”, fonte principal deste estudo, foi produzida diretamente numa relação interpessoal entre pesquisador e entrevistados.
Os trabalhadores da Amazônia juruaense vivenciam seus conflitos internos, delatam-se e se auto-protegem ou silenciam pelo medo, pela “cultura do medo” que, muitas vezes, habita como uma sombra seus cotidianos. Desvendar as tramas que envolvem suas práticas e afazeres, particularmente, quando retiram da floresta a madeira ou a caça de animais para comercializar ou trocar por "mercadorias", não é tarefa das mais fáceis, embora as aparências digam outra coisa.
Acompanhando suas falas, gestos, tons e olhares, procurei apreender essas questões, dialogando com as múltiplas dimensões de seu viver, com o “real vivido, narrado por quem viveu”. A trajetória desta pesquisa em rios como o Muru, Tarauacá, Envira, Paranã do Ouro, Juruá, Moa, Juruá, entre outros, possibilitaram-me constituir uma reflexão em torno de dimensões bem mais amplas e que dizem respeito a uma significativa coletividade de trabalhadores do Vale do Juruá.
Dentre as temáticas pontuadas ao longo do presente trabalho, gostaria de enfatizar uma dimensão que considero importante não para concluir, mas para colocar um ponto “final”, mesmo que provisório, nestas considerações: a luta dos trabalhadores rurais de diferentes territórios do Vale do Juruá, pela manutenção de seus modos de vida, de suas culturas.
Luta essa que se faz presente nos muitos embates cotidianos que seringueiros, agricultores, barranqueiros, parteiras, rezadeiras, caçadores, pescadores e outros diferentes sujeitos sociais, têm que enfrentar e nas alternativas, por eles encontradas, para superá-los. As dimensões disso se espalham de diversificadas maneiras: luta pela posse e uso da terra; reivindicações de acesso à escola e à saúde, tentativas de organização de cooperativas e associações de seringueiros e agricultores, hábitos alimentares, práticas medicinais com o uso de produtos extraídos e apreendidos na própria floresta, conflitos com os patrões, conflitos entre trabalhadores e muitos outros que refletem toda a pluralidade do viver na região.
As experiências dessas populações possibilitaram-nos dialogar com aspectos daquilo que representa, para significativa parcela de mulheres e homens do Juruá, permanecer na floresta, não obstante às adversidades, “impedimentos” e tensões de inúmeras ordens que tem se colocado em seu dia-a-dia nos últimos 20 anos. Essa “teimosia” em não querer “deixar de ser o que são”, encontra eco nas heterogêneas formas com que incorporaram e incorporam a natureza às suas culturas. É possível, mesmo, afirmar que, nessa via de “mão dupla” que é, a incorporação natureza e cultura se confundem.
Acompanhando e refletindo com seus conhecimentos e práticas, foi possível apreendermos que esses trabalhadores rurais desenvolvem não uma mera apropriação, mas uma vivência com a natureza. Aí reside uma diferença fundamental, pois, por apropriar compreendemos um pressuposto que indica apenas um consumo do espaço, enquanto incorporar implica uma produção conjunta com a natureza.
Não é possível separá-los da natureza, pois é com ela que realizam suas culturas: natureza é cultura. Os conflitos e disputas em torno da questão do uso e posse da terra nessa região, apontam, na essência, para a falta de compreensão de que homem e natureza fazem parte um do outro. Daí a noção de que os “tradicionais” habitantes da floresta não desequilibram, mas convivem com a natureza.
NOTAS
1 Espécie de escada feita a partir de cortes (dentes) encravados em madeiras finas. O mutá é utilizado para facilitar o corte da seringueira nas partes mais altas (4, 6, 8, 10 e até 15 metros do chão). Em algumas localidades o termo “mutá”, também é utilizado para designar o jirau de madeira sobre o qual se espera a caça.
2 “Agroextrativista”, nesse texto, é utilizado para designar o agricultor, colonheiro ou barranqueiro que também é coletor de sementes, seringueiro, caçador, pescador e criador de aves e pequenos animais domésticos.
3 Na região, não obstante as mudanças climáticas que vêm ocorrendo nos últimos vinte anos, o verão, geralmente, é compreendido como a época das estiagens, quando chove pouco, e vai de fins de março até fins de outubro; enquanto o inverno, é marcado por muito calor e muitas chuvas que inundam rios e igarapés, indo de meados de novembro a meados de março.
4 Ato de esconder parte da produção de borracha, para ser negociada, a melhores preços ou por mais mercadorias, com os marreteiros.
5 Referência ao seringueiro que mais cortava seringa ou que mais produzia borracha em um determinado período do ano.
6 Jornal do Seringueiro, ano I, número 5, Xapuri, Acre, novembro de 1987, p.2.
7 A Rádio Difusora Acreana é uma rádio oficial do Governo do Estado do Acre.
8 Trechos finais de cada mensagem transmitida pela Rádio Difusora Acreana, todos os dias, nos horários das 12:30 e 19:00 horas.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 04/05/2012.
Aprovado em 18/06/2012.
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