ETNOHERPETOLOGIA E CONSERVAÇÃO: SABERES TRADICIONAIS NA PROTEÇÃO DOS LAGARTOS NO NORDESTE PARAENSE

Beatriz Cosendey; Ligia Teresinha Simonian

doi:10.18542/ethnoscientia.v10i1.16387

ETNOHERPETOLOGIA E CONSERVAÇÃO: SABERES TRADICIONAIS NA PROTEÇÃO DOS LAGARTOS NO NORDESTE PARAENSE

Beatriz Cosendey, Ligia Teresinha Simonian

Resumo

Ameaçados em todo o mundo por diferentes fatores, a conservação dos lagartos é dificultada devido às estórias que cercam esse grupo faunístico e à sua aparência pouco carismática. Nesta pesquisa, entrevistamos 53 moradores de comunidades tradicionais (quilombola, ribeirinha e indígena) situadas dentro da Área de Endemismo de Belém sobre os saberes e percepções destes em relação à comunidade de lagartos local. Identificamos um vasto conhecimento intrínseco por parte dos entrevistados sobre essa parcela da herpetofauna, que se relacionavam e se utilizavam de algumas das espécies descritas. A partir destas narrativas, apresentamos dados concernentes à etnoherpetologia dos lagartos da Amazônia Paraense, tendo como base a etnotaxonomia e estórias locais, e discutimos aspectos importantes para a sua conservação a partir do conhecimento tradicional compartilhado. Pudemos identificar também a diminuição da densidade de algumas espécies, aparecimento de espécies invasoras e desrespeito à legislação ambiental em relação à demarcação de terras tradicionais. Com isso, estudos de cunho etnobiológico apresentam-se como eficazes em estudos e projetos de conservação, uma vez que investigam a dinâmica e os saberes entre moradores e a fauna local.

Palavras-chave

etnoecologia; comunidade tradicional; squamata; ecologia de lagartos; densidade populacional

Texto completo:

PDF

Referências

ALBUQUERQUE UP, LUCENA R.F.P; CUNHA, L.V.F.C; ALVES, R.R.N. Methods and techniques in Ethnobiology and Ethnoecology, 2ª ed. New York: Springer, 2019, 340p.

ALONSO, S. disputa pelo sangue: Reflexões sobre a constituição da identidade e “unidade Tembé”. Novos Cadernos NAEA; 2(2): 33-56, 1999.

ALVES, R.R.N.; ALVES, H.N. The faunal drugstore: Animal-based remedies used in traditional medicines in Latin America. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine 7:9, 43pp, 2011.

ALVES, RRN; et al. A review on human attitudes towards reptiles in Brazil. Environmental Monitoring and Assessment; 184:6877-6901, 2012a.

ALVES, RRN; et al.A zoological catalogue of hunted reptiles in the semiarid region of Brazil. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine; 8:27, 2012b.

ANDREU, GC. Mitos, leyendas Y realidades de los reptiles em México. Ciência Ergo Sum; 7(3): 286-291, 2000.

ASWANI, S; LAUER, M. 2013.Indigenous People’s Detection of Rapid Ecological Change. Conservation Biology; 28 (3): 820–828

ARAÚJO, T.H.; FARIA, F.P; KATCHBURIAN, E.; HAAPALAINEN, E.F. (2010) Ultrastructural changes in skeletal muscle of the tail of the lizard Hemidactylus mabouia immediately following autotomy. Acta Zoologica, 91 (4): 440-446

BABAN, N.S. et al. Biomimetic fracture model of lizard tail autotomy, Science, 10.1126/science.abh1614, 375, 6582, (770-774), (2022).

BALÉE, W. Povos Indígenas do Maranhão - Ka’apor. Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), 2018. Acessado em 11 de maio 2019. Disponível: http://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Ka’apor.

BALICK, M.J. Traditional Knowledge: lessons from the past, lessons to the future. Routledge Handbook of Biodiversity and the Law. 1st ed. Routledge: Reino Unido, 2017. 15pp.

BARBOZA, R.S.L.; PEZZUTI, J.C.B. Etnoictiologia dos pescadores artesanais da Resex Marinha Caeté- Taperaçu, Pará: aspectos relacionados com etologia, usos de hábitat e migração de peixes da família Sciaenidae. Sitientibus série Ciências Biológicas, 11(2): 133–141, 2011.

BARBOZA, R.S.L.; SANTOS, E.M.; CORREIA, J.M.S.; MASCARENHAS JÚNIOR, P.B. (2021). Etnozoologia aplicada à conservação de jacarés. In: Barreto-Lima, A.F.; Santos, M.R.D.; Nóbrega, Y.C. (Orgs.) Tratado de crocodilianos do Brasil. 1ed. Vitória: Instituto Marcos Daniel, 2021. P. 425-455

BRAZIL, V. A Defesa contra o Ophidismo. São Paulo. Pocai& Weiss, 1911. 141pp.

CASTELLO, L. A Method to Count Pirarucu Arapaima gigas: Fishers, Assessment, and Management. North American Journal of Fisheries Management, 24: 379–389, 2004.

CERÍACO, LMP. Gecko's folklore in portuguese oral tradition. Proceedings of the international conference on oral tradition - Orality and cultural heritage,ll: 211-217, 2010.

COSENDEY, BN. Anotações produzidas durante uma visita ao Museu do Presépio. Belém, 2019. [Arquivo pessoal].

COSENDEY, BN; SALOMÃO, SR. Mídia e educação: Os ofídios por trás das câmeras – répteis ou monstros? Revista Eletrônica de Educação; 10(3): 251-265. ISSN: 1982-7199, 2016.

COSENDEY, BN et al. Six Years later…New population monitoring data for an endemic and endangered coastal lizard species in Brazil. Journal of Coastal Conservation. 24:49, 2000.

CRUMP, ML. Eye of newt and toe of frog, adder's fork and lizard's leg: the lore and mythology of amphibians and reptiles. Chicago: University of Chicago Press, 2015.

DIEGUES, ACS. O mito moderno da natureza intocada. 3ª ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2010. 162p.

FIGUEIREDO, N. Os “bichos” que curam: os animais e a medicina de “folk” em Belém do Pará. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi- série Antropologia; 10(1): 75-91, 1994.

FISCHER, ML.; et al. Uso de animais como zooterápicos: uma questão bioética. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro-RJ; 25(1): 217-243, 2018.

GARCÉS, CLL. Proteção aos conhecimentos das sociedades tradicionais: Tendências e perspectivas. In: Proteção aos conhecimentos das sociedades tradicionais. Orgs: Barros, B.S. et al. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi: Centro Universitário do Pará, p. 71-83, 2007.

HUNTINGTON, P.H. Using Traditional Ecological Knowledge in Science: Methods and Applications. Ecological Applications, 10(5): 1270-1274, 2000.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Brasileiro de 2022. Rio de Janeiro, IBGE, 2023

JACITO, FO; BARROS, FB. Sorte, dinheiro, amor...: o que os ‘animais’ da Amazônia podem fazer por nós, ‘humanos’? Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 14, n. 3, p. 943-962, set.-dez. 2019.

JACOBSON, SK; DUFF, MD. Training idiot savants: The lack of human dimensions in conservation biology. Conservation Biology; 12(2), 263–267, 1998.

LEITE, MCVA. Cobras e sapos: esses bichos malditos! Um estudo sobre a relação entre saberes populares e saberes académicos na educação ambiental. Dissertação de mestrado. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, 2004. 243p.

LEITE MS. Transformação e persistência: antropologia da alimentação e nutrição em uma sociedade indígena amazônica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.

LIMA, J.; BRAGA, T.M.; SILVA, D.F.; PEZZUTI, J.C.; REBELO, G.H. Mapeamento participativo do uso dos recursos naturais e conhecimento tradicional sobre ecologia de quelônios na várzea do rio Purus, Brasil. Paper do NAEA 294, 24p, 2012.

LIRA, TM; CHAVES, MPSR. Comunidades ribeirinhas na Amazônia: organização sociocultural e política. Interações, Campo Grande-MS; 17(1): 66-76, 2016.

LOPES, RCS. Os Tembé/Tenetehara de Santa Maria do Pará: Entre representações e diálogos antropológicos. Iluminuras, Porto Alegre; 16 (38): 219-254, 2015.

MAIA, BNB; et al. Projeto Tembé: Ações de Saúde Bucal em Seis Aldeias Indígenas de Tomé–Açu, Pará, Brasil. Revista saúde, v. 10, n.3-4, 2016.

MARQUES, JA.; MALCHER, MA. Territórios quilombolas. Cadernos ITERPA- Instituto de Terras do Pará, Belém –PA; 3: 76 pp, 2009.

MALCHER, MAF. Identidade Quilombola e Território. Trabalho apresentado no III Fórum Mundial de Teologia e Libertação, 2009. Acessado em 06 de maio 2019. Disponível: http://www.wftl.org/pdf/046.pdf.

MEDERIROS, P.M.; ALMEIDA, A.L.S.; LUCENA, R.F.P.; ALBUQUERQUE, U.P. The role of visual stimuli in ethnobotanical surveys: An overview. Current Topics in Ethnobotany, 2008: 125-137 ISBN: 978-81-308-0243-5, 2017.

MEGAM, Relatório do Projeto. Estudos das mudanças socioambientais no estuário amazônico. Belém: NAEA, 2005.

MELLO, MM. Reminiscências dos Quilombos: territórios da memória em uma comunidade negra rural. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2012. 267p

MENDONÇA, LET.; et al. Caatinga ethnoherpetology: relationships between herpeto-fauna and people in a semiarid region of northeastern Brazil. Amphibian & Reptilia Conservation; 8(1): 24-32, 2014.

MORAIS, JAD. Breves nótulas médico-antropológicas sobre o tratamento vernáculo do “cobro” (herpes zóster) no Alentejo, Portugal. Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna; 12 (2): 57-62, 2005.

MORIN, A. Pesquisa-ação integral e sistêmica: uma antropopedagogia renovada. Trad. Michel Thiollent. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. 230p.

MVC. Museu Virtual do Cerrado, 2024. Acessado em 21 de junho 2019. Disponível: http://www.mvc.unb.br/pesquisa/especies/lista-de-especies.

NASCIMENTO, RMC. Comunidades quilombolas África e Laranjituba: um estudo das práticas e fenômenos que constituem sua gestão territorial tradicional. 96 f. Dissertação (Mestrado em Sustentabilidade) – Universidade de Brasília, Brasília-DF, 2017.

OLIVEIRA, PR.; SOUSA, BM. Répteis e seres humanos: discutindo essa relação. In: Impactos Antrópicos: Biodiversidade aquática & terrestre. Orgs: Andriolo, A.; Prezoto, F.; Barbosa, BC. Real Consultoria em Negócios Ltda, Juiz de Fora-MG;1(3):31-49, 2018.

PACHECO, JM. Entnoentomologia: o que é inseto? Informativo da Sociedade Brasileira de Entomologia; 1: s. n, 2001.

PASSOS, D. Lagartos brasileiros: peçonhentos não, mas nem tão inofensivos! CEVAP-UNESP, 2006. Acessado em 19 de junho 2019. Disponível: http://cevap.org.br /2016/04/26/lagartos-brasileiros-peconhentos-nao-mas-nem-tao-inofensivos/.

PEZZUTI, J.C.B.; BARBOZA, R.S.L.; NUNES, I.; MIORANDO, P.; FERNANDES, L. Etnoecologia e conservação de quelônios amazônicos: um estudo de caso. In: A Etnozoologia no Brasil: Importância, Status atual e Perspectivas. Volume 7. 1 edition. Edited by: Alves RRN, Souto WMS, Mourão JS. Recife, PE, Brazil: NUPEEA; 2010:447-470

POJO, EC; et al. As águas e os ribeirinhos – beirando sua cultura e margeando seus saberes. Revista Margens Interdisciplinar; 8(11): 177-198, 2014.

PROJETO BACIA ESCOLA. Prospecção e análise socioambiental para fins de recuperação da microbacia hidrográfica do igarapé Turé e desenvolvimento local do território indígena Turé-Mariquita no município de Tomé-Açu. Universidade Rural da Amazônia, Belém-PA, 2017.

PRUDENTE, ALC; et al. How much do we know about the diversity of Squamata (Reptilia) in the most degraded region of Amazonia? South American Journal of Herpetology; 13(2): 117-130, 2018.

REICHEL-DOLMATOFF, G. Cosmology as Ecological Analysis: A View from the Rain Forest. Man, New Series, 11 (3): 307-318, 1976.

REIS, DC; et al. Araraiana e Combu: um estudo comparativo de dois contextos ribeirinhos amazônicos. Temas em Psicologia; 20(2): 429-438, 2012.

RIBEIRO-JUNIOR, MA; AMARAL, S. Catalogue of distribution of lizards (Reptilia: Squamata) from the Brazilian Amazonia. IV. Alopoglossidae, Gymnophthalmidae. Zootaxa; 4269 (2): 151–196, 2017.

RICARDO, B; RICARDO, F. Povos Indígenas no Brasil: 2006-2010. Instituto Socioambiental, São Paulo-SP, 2011. 735p. ISBN: 85994-85-3

RONCON, V. Mitos e Curiosidades de Bicho. Lagartixa chupa sangue? 2018. Disponível em: http://mitosecuriosidadesdebicho.blogspot.com/2018/03/lagartixa-chupa-sangue.html. Acesso em: fev 2024.

ROSA, M; OREY, DC. O campo de pesquisa em etnomodelagem: as abordagens êmica, ética e dialética. Educ. Pesqui. São Paulo, 38 (4): 865-879, 2012.

SANTOS- FITA, DS; et al. ‘Offensive’ snakes: cultural beliefs and practices related to snakebites in a Brazilian rural settlement. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine 6:13, 2010.

SANTOS-FITA, DS, et al. Constitution of ethnozoological semantic domains: meaning and inclusiveness of the lexeme “insect” for the inhabitants of the county of Pedra Branca, Bahia State, Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências 83(2): 589-598, 2011.

SEMAS- Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Espécies ameaçadas. 2009. Disponível: https://www.semas.pa.gov.br/2009/03/27/9439/. Acesso em 24 de junho 2019.

SILVA, J.A.N. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade Quilombola do Estado da Paraíba. Saúde e Sociedade. 16(2): 111-124, 2007.

SILVA, VN; ARAÚJO, AFB. Ecologia dos lagartos brasileiros. 1ed. Rio de Janeiro: Techinical Books, 2008. 271p.

SILVA, JB; SIMONIAN, LTL. População tradicional, reservas extrativistas e racionalidade estatal na Amazônia brasileira. Desenvolvimento e Meio Ambiente; 33: 163-175, 2015.

SINERVO, B; et al. Erosion of lizard diversity by climate change and altered thermal niches. Science; 328, 894–9, 2010.

SOUSA, AJA; et al. Contradições no campo da saúde: a ausência de política pública de saúde local e fortalecimento da medicina tradicional na comunidade remanescente quilombola Laranjituba e África. In: Pezzuti, J; Ramos, CA. (Org.). Desafios Amazônicos. Série Desenvolvimento e Sustentabilidade. Editora do NAEA, Belém-PA; p. 425-453, 2017.

SOUZA, RCCL; et al. Bioinvasão Marinha. In; Pereira, RC; Soares-Gomes A. editors. Biologia Marinha. Interciência, Rio de Janeiro-RJ; 2ed. p. 555-577, 2009.

VALADÃO, V. Povos Indígenas no Pará – Tembé. Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), 2018. Acesso em 02 de maio 2019. Disponível: http:/pib.socioambiental.org/pt/Povo:Temb%C3%A9

VITT, L; et al. Guide to the lizards of Reserva Adolpho Ducke, Central Amazonia. Manaus: Áttema Desing Editorial, 2008. 176p.

UETZ, P; et al. 2018.The Reptile Database, 2018. Acessado em 20 de janeiro 2019. Disponível: www.reptile-database.org.

WILLIAMS, VL; et al. Reptiles sold as traditional medicine in Xipamanine and Xiquelene Markets (Maputo, Mozambique). South African Journal of Science; 112(7/8), 9pp, 2016.

WINK, GR; et al. Population ecology of Tupinambis merianae (Squamata, Teiidae): home-range, activity and space use. Animal Biology, 61: 493–510, 2011.

DOI: http://dx.doi.org/10.18542/ethnoscientia.v10i1.16387